‘As pioneiras’: Bia Figueiredo – primeira brasileira na Indy e pilota de carreira internacional consolidada

Uma carreira consolidada e com participação em algumas das categorias e corridas mais importantes do mundo. Bia Figueiredo conseguiu ter sucesso num meio espinhoso e agora, ainda competitiva e com muitos objetivos na carreira, ela também pensa como um todo na forma de aumentar a participação de pilotas mulheres no esporte

A carreira de Bia Figueiredo demanda muito respeito. Em monopostos, carros de turismo e recentemente até em protótipos, Bia construiu um histórico sólido em meio a uma carreira bonita. Antes de pintar nos monopostos norte-americanos do Road to Indy, em meados dos anos 2000, Bia já estava ralando nos traçados do kart nacional. Tinha dez anos quando disputou, em 1995, o Campeonato Brasileiro pela primeira vez. Daí em diante, não parou mais.

E desde o começo, desde que a primeira vontade de se tornar pilota passou pela sua mente, recebeu o total apoio de sua família. "Na verdade, desde pequena já demonstrava gosto por velocidade, carrinhos, todas essas coisas. Meus pais, principalmente meu pai, percebendo isso resolveu me levar para ver uma corrida em Interlagos de kart. Fiquei enlouquecida e queria porque queria começar a correr, tive o apoio de toda a família, especialmente dele. Minha mãe ficou um pouco receosa, mas ele acabou apoiando, me colocou na escolinha, e foi aí que comecei no automobilismo", contou ao GRANDE PRÊMIO.

"Na escolinha, quando eu cheguei só tinha um monte de moleque, e eles começaram a olhar para mim com uma cara como se eu fosse um ET, o que eu estava fazendo ali. Impressionante, para ver como desde o início era algo surpreendente. Dos mecânicos sempre recebi muito carinho, mas no começo foi mais difícil, pois o kart tem muito contato, os meninos não aceitavam perder, sempre tinha aquela zoação. No kart foi realmente muito difícil", explicou.

Bia Figueiredo é a rainha da popularidade na Stock Car  (Foto: Fernanda Freixosa/Vicar/Vipcomm)
Bia chegou nos carros na F-Renault Brasil, em 2004, de lá para a F3 Sul-Americana e a Indy Lights, respectivamente em 2006 e 2008. Venceu duas corridas por lá, ganhou prêmio de Novata do Ano – algo que já fizera na F-Renault, além de alguns outros prêmios pelo Brasil. Bia chegou à Indy em 2010 e participou do campeonato durante quatro anos, incluindo como titular na temporada completa em 2011.

E foi no continente norte-americano que a pilota teve o melhor ano de sua carreira, como ela mesmo definiu. "Para mim, foi um prazer e também uma surpresa [correr nos EUA]. A atitude dos americanos comparada com o dos europeus é completamente diferente, os europeus desdenham total. Fiz um excelente primeiro ano na Indy Lights, disputei o título, venci minha primeira corrida, tive vários pódios fui considerada estrela ascendente", falou.

"Esse talvez foi meu melhor ano no automobilismo, foi muito bacana. Em 2009 tive nova vitória, mas não foi tão bom, tive acidentes que acabaram me prejudicando. Mas a vitória de Iowa me deu credibilidade para conseguir uma vaga na Indy, fui montando meu caminho para atingir meu objetivo, que era atingir a Indy", pontuou.

 
Ao sair da Indy, logo estreou na Stock Car, onde está desde 2014 – teve sua melhor classificação no campeonato em 2018. Consolidou-se na categoria nacional, mas sem deixar de buscar desafios de outras ordens. Foi assim que começou 2019 num projeto notável: a participação nas 24 Horas de Daytona, onde foi bem e vai voltar durante o campeonato do SportsCar. Chegou a liderar a Roar Before 24.

Indy, Stock Car e as 24 Horas de Daytona, essa última como parte de um grupo inteiramente feminino de pilotas. No que diz respeito a pilotas brasileiras com carreiras internacionais, é inegavelmente alguém com uma importância gigantesca em sua e nas mais novas gerações.
 

Na última dessas incursões, para disputar a mais tradicional prova de longa duração do automobilismo norte-americano, fez história ao formar o primeiro time apenas de pilotas. Além de Bia, estavam Katherine Legge, Simona de Silvestro e Christina Nielsen, tudo num plano costurado por Jackie Heinricher – uma biocientista de carreira bem-sucedida que resolveu ser pioneira também no esporte. 
 
"Ela é muito vitoriosa por fazer esse projeto acontecer e muito corajosa, imagina começar a correr aos 50 anos de idade sem ter experiência. É muito admirável o que ela tem conseguido fazer", apontou.
 
A equipe chegou a andar em posição de pódio e estava na luta por vitória, quando a tormenta que caiu acabou prejudicando – uma aquaplanada inevitável que acabou com as chances, mas não diminuiu o respeito que receberam. Dentro da equipe, podendo conversar umas com as outras, a experiência foi especial.
Jackie Heinricher, Christina Nielsen, Katherine Legge, Simona de Silvestro e Bia Figueiredo (Foto: Michelin/Twitter)

"O entrosamento foi ótimo dentro do ambiente de corrida, sempre focado em performance, e divertido fora, por sermos mulheres que tiveram carreiras importantes e vieram de lugares diferentes. A gente nunca tinha aberto algumas experiências para as outras, e foi bem engraçada essa parte do extra-pista", revelou. 

 
"Foi incrível pela oportunidade, grandiosidade do programa e pelo que ainda pode crescer. Também por ter me sentido muito bem com o carro, ter andado muito bem", falou.
 
Apesar da carreira de Bia ter dado certo e ido longe, em categorias das maiores do mundo, ela admite que o começo para as pilotas conta com uma desafio maior que apenas ajustar o carro e dar voltas rápidas, especialmente lá no começo.  
 
“No início foi muito difícil, se não fosse uma menina muito corajosa e não tivesse o apoio familiar talvez eu desistisse. Tinha certeza que ia chegar, era confiante, era teimosa, acreditava em mim, e tinha a família que apoiava. Os meninos não me deixavam passar, tem histórias de que teve gente que pagou para o outro me tirar da corrida para eu perder o campeonato, coisas que não acontecem entre homens tanto”, comentou.
 
“Depois que fui tendo as vitórias, fui ganhando meu espaço no automobilismo, de uma forma esse jogo virou, pois virou algo especial, algo legal. Hoje sou a primeira brasileira a entrar em uma categoria top mundial, as pessoas respeitam demais, por ser a única da Stock Car. Não que eu queira, acho que tem que apoiar, mas tem uma identificação por ser a única menina e isso acaba atraindo mais atenção”, disse.
 
O trabalho para diminuir certos desafios desiguais, para Bia, está sendo feito, ainda que muito mais seja necessário.
Bia Figueiredo em Indianápolis (Foto: CarstenHorst)

“Quando eu estava crescendo no automobilismo, eu tive referências mulheres, e isso foi muito ruim para mim não ter tido apoio delas. Não é uma mágoa, mas é surpreendente, sabe? Em todas elas que eu encontrei. Sempre teve uma comparação, uma rivalidade. E a gente vê que isso é uma besteira, nós somos tão poucas, se não houver um apoio não vai rolar, não vai ter outras que consigam”, reforçou.

 
"Acho que [o meio] é incentivar quando existe o interesse. No nosso meio, quando pensar na família, amigos, amigas, normalmente os que gostam de velocidade são mais os homens. As mulheres são mais raras, as que têm aquela coisa de ter coragem de gostar de acelerar, gostar de carro tem bastante, mas gostar da velocidade é mais raro. E as que gostam nem sempre tem o apoio da família, ou até a estrutura para começar a correr”, completou.
 
“Mas tem outras formas para você se envolver com automobilismo, sendo jornalista, engenheira, mecânica, promotora das categorias, tem várias formas de você se envolver. Acho que é muito incentivo da família, quando a menina quer se envolver com algo tão masculino, que só vai trabalhar com homem, a família meio que se assusta, não apoia, fala que não é coisa de homem. Tem que incentivar, quando tem vontade a família tem que incentivar a ir atrás”, colocou.
 
O que será que Bia acha, então, da nova W Series, categoria de monopostos específica para as mulheres? A paulista está do lado da discussão que é favorável ao campeonato como um motivo para dar mais rodagem e deslanchar carreiras.
Bia Figueiredo analisa o desenrolar dos treinos em Tarumã (Foto: Fernanda Freixosa/Vicar)
“A W Series é uma iniciativa para incentivar meninas no automobilismo. Fizeram um estudo que mostra que as meninas andam muito bem no kart, andam até a F3 e param. A ideia é dar um destaque para essa campeã da W Series para que ela possa chegar à F1 e a Indy”, explicou.
 
“Eu consegui isso por outros meios, correndo com homens, mas entendo que é uma dificuldade, sim, e entendo que qualquer iniciativa é muito positiva. Precisamos de mais mulheres correndo para que tenhamos mais chances de chegar a uma grande categoria. É diferente, eu, a Simona e a Katherine somos veteranas, já chegamos onde queríamos. Continuamos em categorias top: eu estou no Brasil, a Simona está na Austrália e a Katherine nos Estados Unidos, seja com turismo ou endurance. As duas maneiras incentivam mulheres no automobilismo, e isso que importa”, argumentou.

Por fim, Figueiredo reconheceu que a presença das mulheres no cenário do esporte a motor tem crescido cada vez mais, e ainda aproveitou para deixar uma dica para aquelas que querem ingressar agora nesse 'mundo dos meninos.' "Acho que está crescendo, mas ainda tem muito a ser conquistado. As meninas na Europa sofrem bloquei e preconceito, as americanas você já vê mais por aí."

"Se você tem, de alguma forma, a vontade, independente de ser piloto ou se envolver com automobilismo, lute muito, trabalhe, confie em você, pois já tem grandes exemplos de que é possível", encerrou.

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