Carrasco triunfa no ‘mundo dos homens’ e pavimenta caminho para mulheres no motociclismo

Aos 21 anos, Ana Carrasco escreveu seu nome na história do esporte ao se tornar a primeira mulher a vencer um campeonato solo da FIM (Federação Internacional de Motociclismo). Com o feito histórico, a pilota da DS Junior pavimenta um novo caminho para as mulheres em um mundo dominado por homens

30 DE SETEMBRO DE 2018: um dia que vai ficar marcado no esporte. Aos 21 anos, Ana Carrasco escreveu seu nome em definitivo na história ao se tornar a primeira mulher a vencer um campeonato solo da FIM (Federação Internacional de Motociclismo) ― antes da #2, Kirsi Kainulainen tinha conquistado um título mundial como passageira em um sidecar guiado por Pekka Paivarinta.
 
Foi a vitória de uma mulher em um mundo dominado por homens. Dos 33 pilotos regulares do Mundial de Supersport 300, apenas duas meninas: Ana e María Herrera. Entre os 70 que estiveram em provas da categoria em 2018, apenas quatro outras garotas ― Steffie Naud, Alexandra Pelikanova, Beatriz Neila e Bibi Damen ― o que representa apenas 8,5% do total.
Ana Carrasco demorou para saber que tinha conquistado o título (Foto: DS Junior)
Estudante de direito na Universidade Católica de Múrcia, Ana não se deixou abalar, nem mesmo pela pressão extra que seu pioneirismo pressupunha. Já no ano passado, a titular da DS Junior tinha se tornado a primeira mulher a vencer uma prova do Mundial e, nesta temporada, ainda que não conseguisse o primeiro posto no campeonato, a espanhola já tinha feito história ao ser a primeira mulher a liderar uma categoria da FIM.
 
A conquista, porém, não veio fácil. Ao longo das oito etapas da temporada, foram sete vencedores diferentes, com Carrasco sendo a única a subir ao topo do pódio em duas oportunidades. E ainda teve um desafio extra. 
 
Depois de um início de ano onde FIM e Dorna, a promotora da categoria, falharam em nivelar as motos ― já que o regulamento permite o uso de motores de diferentes capacidades ―, a entidade máxima do esporte reagiu ― após, inclusive, uma queixa pública da Yamaha ― e tratou de balancear a performance. No caso da Kawasaki, além de uma redução de 12 mil para 10.850 RPM, a organização também estabeleceu uma nova diretriz em torno do peso do conjunto moto-piloto, com a Ninja ― bem como a Honda ― tendo de atingir a marca de 215 kg, contra 208 kg da KTM e 205 kg da Yamaha.
 
Assim, Ana teve de adicionar 14 kg de lastro em meados da temporada, já que a Ninja pesa apenas 140 kg. Carrasco, então, focou em sua forma física e conseguiu mostrar que, mesmo em condições adversas, mulheres podem, sim, competir com homens no esporte a motor.
 
Ana, porém, não se vale de sua condição de mulher. Após conquistar o título, que dedicou amigo Luis Salom ― que, segundo ela, era um dos que pensavam em ajudá-la ao invés de se opor a sua presença ―, Carrasco ressaltou que se vê como mais um no grid, mas admitiu a felicidade por ajudar a trilhar um caminho mais fácil para as próximas garotas.
Ana Carrasco conquistou o título por um ponto de vantagem (Foto: DS Junior)
“Estou feliz por ser campeã mundial, mas não como uma mulher”, disse Ana. “Eu sempre penso como piloto, mas eu sei que isso é importante para as mulheres que estão entrando neste mundo”, seguiu.
 
“Se podemos conseguir este resultado, então o caminho para a chegada de mulheres no futuro será um pouco mais fácil”, comentou. “Fico orgulhosa disso e feliz por ajudar neste sentido. Minha única meta é atingir resultados como piloto, mas, com certeza, vai ser bom se pudermos ajudar outra garota a chegar aqui”, falou.
 
Na corrida decisiva de Magny Cours, Ana também precisou de empenho extra. Com problemas com a Ninja, a #2 se classificou apenas no 25º posto para a última etapa do ano, enquanto os rivais pelo título ― Scott Deroue e Mika Pérez ― garantiram a pole e o quarto posto, respectivamente. Mas, desta vez, o universo conspirou a favor da espanhola de Múrcia. 
 
Deroue abandonou após uma quebra, enquanto Pérez perdeu a liderança da corrida para Daniel Valle na última volta. Ana, por sua vez, conseguiu escalar até o 13º posto, um resultado que garantia o título a ela com apenas um ponto de vantagem para Mika. Scott acabou em terceiro, com 13 pontos a menos que a campeã.
 
“Fui 25ª na classificação, foi um verdadeiro desastre, porque significou que a corrida seria mais difícil”, comentou. “Mas nós continuamos trabalhando para encontrar o caminho na moto. Nós tivemos um problema com o garfo durante todo o fim de semana. Nós estávamos tentando encontrar uma solução, mas a moto não estava realmente boa, então não pude ser mais rápida. Hoje a moto funcionou realmente bem, então me senti bem. Eu estava tentando ir para a frente, mas o grupo era muito grande e era difícil chegar. Mas, no fim, conseguimos conquistar o título e estou muito feliz”, comemorou.
 
Em meio a uma corrida tão difícil, Carrasco sequer sabia que tinha conquistado o título ao cruzar a linha de chegada. E ainda precisou de mais alguns metros antes de tomar ciência de seu feito.
 
“Nas primeiras curvas, não sabia que tinha vencido. Eu tentei encontrar um telão para ver o que dizia, mas não vi. Não sabia que tinha vencido o campeonato”, relatou. “Eu finalmente percebi quando cheguei na curva 5. Eu vi as pessoas e perguntei: ‘Sou primeira?’. Fiquei muito feliz, porque foi realmente difícil chegar aqui. Trabalhamos muito duro o ano todo”, frisou.
 
Na comemoração do título, uma camiseta mais do que apropriada: ‘Ride Like A Girl’ (‘Pilote como uma garota’, em tradução para o português).
DS Junior de David Salom merece elogios por dar chances iguais a Ana (Foto: DS Junior)
Ana pode até se ver como um piloto como os outros, mas não é. Não por ser mulher, mas por ter conseguido romper uma barreira que é muito mais matemática do que biológica. 
 
Dados levantados pelo diário espanhol ‘El País’ mostram que dos 2671 pilotos federados pela FIM em 2018, apenas 112 são do sexo feminino. Os números não deixam dúvidas: a presença masculina no esporte é infinitamente maior do que a feminina, daí, portanto, a maior dificuldade de encontrar meninas talentosas.
 
Entretanto, seria um bocado simplista deixar essa ‘conta’ na mão da matemática. Embora estejamos em 2018, ainda existe muito preconceito no mundo. E o esporte não é diferente.
 
Além de estarem em menor número, as mulheres têm menos oportunidades. Ana pontuou no Mundial de Moto3 quando esteve por lá, foi companheira de equipe de Maverick Viñales na LaGlisse, por exemplo, mas não teve as mesmas chances. Desta vez, com a DS de David Salom ― primo de Luis ―, Carrasco, enfim, teve todas as ferramentas necessárias para poder lutar em condições de igualdade. E não decepcionou. (Menção honrosa à equipe, que optou por tratar homens e mulheres como iguais que são).
 
Ana foi a primeira, pioneira, mas tomara que não seja a única. Ela já provou que é possível. Resta agora que outras trilhem esse caminho já pavimentado.
 
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