Morte de Ratzenberger no GP de San Marino completa 25 anos, e pai o vê como o “gêmeo desigual” de Senna

Através de um 'familiar', o GRANDE PRÊMIO falou com Rudolf Ratzenberger, pai de Roland, morto há 25 anos no mesmo final de semana que Ayrton Senna, o “gêmeo desigual”. Em relato, Rudolf revela os três sonhos do filho e diz ter “lembrança honrosa” do brasileiro, que carregava uma bandeira da Áustria na Williams que bateu

O telefone tocou de novo naquele apartamento da Gorianstraße até cair na caixa de mensagens. A voz que se seguia em um alemão carregado indicava outro número para qualquer emergência – e, ainda que não fosse exatamente desta natureza, havia, sim, uma certa urgência. Henning Steinicke já havia chegado em sua casa em Leipzig depois de ter passado o dia em um evento em Berlim quando fez outra ligação, sem obter sucesso. Já esquecia a vida quando recebeu a chamada de volta.

“Olá, aqui é Rudolf”.

Rudolf vinha sendo procurado havia umas três semanas. Não é das coisas mais fáceis falar com aquele senhor outrora diretor de seguro social e agora pensionista em Salzburgo. Não por traço de personalidade ou por uma agenda repleta de compromissos: é que a internet não lhe cai bem e é algo muito futurista para quem já passou dos 70; e-mail, não há. As cartas parecem a melhor solução, mas já não há Doras tão eficazes que as escrevam e as mandem para a Central da Áustria. E não houve por que Rudolf tivesse aprendido inglês ou uma língua mais comunicável com o mundo, por assim dizer, nas viagens que fez acompanhando o filho. Até porque só fez uma viagem.

E talvez nem se tivesse mais tempo disponível com Roland.

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O austríaco Roland Ratzenberger perdeu a vida depois de um acidente no sábado (Foto: Forix)

O tempo que tem, Rudolf passa com a mulher, Margit, 68, e juntos se permitem algumas regalias que a idade avançada obriga a aproveitar. A Henning, dedicou uma boa parte dele. Henning não tinha muito traquejo para iniciar aquela conversa por dois motivos absolutamente válidos: biólogo está acostumado a lidar com a fauna e a flora — no caso dele, com sapos —, não com entrevistas; e o papo era dos mais delicados. A seu modo, Henning simplesmente resolveu explicar – provavelmente com um trato que um jornalista não teria –, apresentando-se como alguém “familiar” a um veículo de comunicação brasileiro e que deveria falar de Roland.

“Mas que boa ideia”, respondeu Rudolf, e quem quer que acompanhasse os dois falando certamente diria que se conheciam há anos, talvez décadas. Duas décadas.

Chegou a um momento que Henning é quem tinha mais o que responder. “Eu trabalho para o governo alemão”, contou o biólogo. “Ah, você está na Alemanha?”, e quando Rudolf ouviu que sim, o “eu também” de resposta surpreendeu o outro lado da linha. Rudolf tratou de explicar que estava viajando muito nos últimos meses, daí a dificuldade de encontrá-lo, e que resolveu passar uns dias em solo teutônico para ir a um evento.

Um evento. Em Berlim.

Henning riu e rebateu o sentimento de surpresa. Por questão de horas, a conversa teria sido pessoal. Não que precisasse, mas a coincidência foi o mote para que a ligação levasse mais de hora. Na condição de confidente, Henning ouviu o que Ratzenberger pai tinha a falar do filho, num sotaque tão carregado que “parecia estar falando com Niki Lauda”. Rudolf não pôs barreiras. “A forma de eu esquecer minha tristeza é falando de Roland. Muita gente procura psiquiatra para tratar da dor, mas foi assim que eu superei sua perda.”

Enquanto isso, o GRANDE PRÊMIO já se preparava para fazer as perguntas.

Rudolf, sem elas, comprometeu-se a mandar um depoimento a Henning assim que voltasse para casa, depois do período da Páscoa. Pediu um número de fax. Na segunda-feira após o feriado, veio a longa mensagem, que denotava, de fato, o mundo despregado de Rudolf à tecnologia. Não só por ter relatado os feitos do filho como quem os busca em uma enciclopédia ou no Google, mas por ter datilografado em uma máquina de escrever.

Roland Ratzenberger em 1994 com a Simtek (Foto: Getty Images)
Roland Ratzenberger nasceu em 4 de julho de 1960 em Salzburgo, Áustria.
 
Depois da escola básica, ele começou a estudar Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico em Salzburg, mas não terminou. Depois de servir o exército, trabalhou como mecânico e instrutor na escola de pilotagem Walter Lechner, ainda na cidade natal.
 
Em 1980, ele ganhou o troféu Jim Russel na F-Ford. Ele financiou as próprias corridas com o trabalho de piloto-instrutor na Áustria, Alemanha e Itália. O financiamento não era muito bom, mas funcionou. Seu apelido era ‘Rolando Topo di Montana’.
 
Em 1983, ele obteve a primeira vitória com FF 1600 em Nürburgring.
 
Em 1984, ele sofreu um acidente na corrida em Zandvoort e teve fratura do escafoide no pulso da mão esquerda – e aí, acabou ficando fora neste ano.
 
Em 1985, o proprietário de uma pedreira e ex-piloto de rali, Alois Roppes, financiou um carro de F-Ford Van Diemen RF 85 para Roland em troca de ele treinar seu filho, Michael Roppes.
 
Em 1986, Roland ganhou o Festival de F-Ford com um Van-Diemen Minister RF 86 contra 127 participantes em Brands Hatch com 5 segundos a frente do suíço Phillippe Favre. Até hoje, é o único piloto de lingua alemã a ter vencido.
 
Em 1987, ele correu no World Touring Car Championship com um BMW 3 de fábrica para a equipe Schnitzer da cidade de Freilassing.
 
A partir de 1989, Roland ficou entre Japão e Europa. Em 1990, Roland foi o primeiro piloto europeu da equipe de fábrica do Toyota Racing Development e pilotou no ano seguinte em muitas corridas da F- 3000, grupo A e C, bem como BMW.
 
Neste ano, ele tinha três endereços: Salzburgo, Japão e Mônaco. E foi nele que Roland alcançou seu ‘primeiro’ sonho: comprou em sua cidade natal um Porsche Coupé 911 Carrera 4,l que hoje está com seu amigo, Harry Manzl, repórter da ORF Salzburg.
 
Em 1993, Roland teve seus planos de entrar na F1 abandonados. Ele não queria usar seu próprio dinheiro pra F1 e preferiu ganhar um bom dinheiro no Japão. Ele alcançou seu ‘segundo’ sonho, comprando um apartamento de cobertura em Salzburgo.
 
No entanto, ele tinha um grande sonho, o ‘terceiro’: a F1! A proprietária de uma agência de cultura e esporte, Barbara Behlau, em Mônaco, financiou Roland no final de 1993 para entrar na equipe inglesa Simtek Ford e fazer as primeiras cinco corridas.
 
Em 1994, começou pela primeira vez desde 1984 uma temporada de F1 com três austríacos: Gerhard Berger, Karl Wendlinger e Roland Ratzenberger. Foi um grande orgulho.
 
O sonho durou apenas 53 dias.
 

Os resultados dele:

 
27/03/1994 – GP do Brasil, Interlagos: não se qualificou.
 
17/04/1994 – GP do Pacifico, Aida (Japão): 11° e último na corrida. Primeiro, Michael Schumacher; segundo, Gerhard Berger; e terceiro, Rubens Barrichello.
 
30/04/1994 – Final do treino do GP de San Marino em Ímola, acidente fatal de Roland Ratzenberger.
 
Nos treinos oficiais, Roland alcançou, dentre 27 pilotos, o 25° e 23° lugares.
 
1990-1993 – em Le Mans, Roland corre com um Porsche e um Toyota.
 
1994 – O nome do Roland está como uma homenagem póstuma no Toyota de Le Mans
 
Para sempre 
 
Faz 20 anos, e Roland vive ainda conosco.
 
Nós vivemos desde 1995 no apartamento que ele recebeu uma semana antes do seu acidente. Não foi comprado com dinheiro da F1, mas com os sucessos dele nas corridas no Japão de Formula 3000, Grupo A e C.
 
Existe uma tribuna de homenagem para Roland no Autódromo Enzo & Dino Ferrari em Ímola.
 
Nós doamos à Cruz Vermelha uma casa como uma lembrança de Roland, que foi doada a uma família de pescadores numa vila no Sri Lanka.
 
Seu amigo e piloto finlandês Mika Salo deu, em homenagem a Roland, o nome para seu filho de Max Roland.
 
O que não nos faz esquecer Roland é que ainda tem muitas referências a ele na mídia. Até hoje chegam ainda cartas de fãs, visitantes do Japão, Austrália, Holanda, Alemanha e Áustria. Especiais e comoventes são as oferendas no túmulo de Roland, como peixes do Japão, bandeiras do Brasil e moinhos da Holanda.
 
Nos nós sentimos muito honrados por isso. É uma forma de trabalhar com a tristeza de perdê-lo e falar sobre ele. É uma forma de contar sua história.
 
Se apenas Roland morresse naquele ‘fim de semana negro’ em Ímola, um ninguém na F1, os esforços do presidente da FIA, Max Mosley, para melhorar a segurança na não teriam provavelmente tanto sucesso. Mas um dia depois, o tricampeão Ayrton Senna também morreu. Assim, desde 1994, Ayrton Senna e Roland Ratzenberger são os últimos em uma longa série sem acidentes fatais.
 
Niki Lauda falou rapidamente à RTL: “Quando alguém pensar em Senna, não deve esquecer de Ratzenberger.”
 
Nós sempre teremos em Senna uma lembrança honrosa. Ele mesmo foi ao local do acidente de Roland, e por isso recebeu uma advertência do controle da corrida. Senna também carregou uma bandeira da Áustria – que recebeu de seu amigo de Salzburgo, Joseph Leberer, e levou na Williams dele. Após a corrida, ele provavelmente usaria para lembrar de Roland.
 
Na ocasião da minha viagem para a Austrália, em setembro de 2013, eu me lembrei de Senna na pedra-monumento na pista de Adelaide que foi feita em homenagem a Ayrton.
 
Ambos nasceram em 1960, eram canhotos e tinham depois de um ano se divorciado. Na morte, eles eram gêmeos desiguais, um como novato na F1, outro como três vezes campeão. 
 
Atualidade 
 
Minha esposa, Margit, e eu fomos convidados para os eventos comemorativos que marcaram os 20 anos de Ayrton e Roland, de 30 de abril a 5 de maio de 2014, e estivemos lá para participar.
 
Nós nos sentimos muito confiantes que Michael Schumacher vai se recuperar completamente. Michael escreveu em 1995, em um livreto comemorativo, uma bonita dedicatória a Roland.
 
Eu ainda me interesso por F1, mas fui ver de perto apenas uma vez: em 1995, Ímola, através da mediação do parceiro da WWP Burghard Hummel e a convite da FIA em um GP. Lá, eu tive uma conversa com Bernie Ecclestone.
 
Eu acredito que o retorno da F1 para a Áustria foi uma ótima ação do proprietário da Red Bull, Dietrich Mateschitz, e eu irei ver o GP da Áustria em Zeltweg. Aquele foi, depois de Ímola 1995, o segundo GP ao vivo que vi”.
Roland Ratzenberger (Arte: Bruno Mantovani)

No escritório de Henning, cunhado da jornalista Evelyn Guimarães, também do GRANDE PRÊMIO, as oito folhas de fax do relato também contêm algumas reportagens que Rudolf guarda de Roland. E nas várias vezes que acabou falando, Ratzenberger agradeceu em todas. Primeiro, a ligação em si; depois, o “cuidado e o respeito” com que Henning tratou o assunto. Ficou “especialmente feliz por ser para um veículo brasileiro” e pelo quase favor de ter podido compartilhar a alegria de tornar a falar de Roland. E convidou o novo amigo para uma visita a hora que for. 

 
Henning mandou uma mensagem de volta também agradecendo o carinho e atenção que o simpático Rudolf lhe dispensou. Assim que passar esse período, Henning vai marcar de se encontrar com o pai do gêmeo de Senna.

Texto originalmente publicado em 30/4/2014 na REVISTA WARM UP e modificado em alguns trechos por questões temporais.
 

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