Há 70 anos, primeiro vencedor do GP de Mônaco foi morto pelo regime nazista durante Segunda Guerra Mundial

William Grover-Williams teve uma vida pitoresca. Filho de pai inglês e mãe francesa, fluente em duas línguas desde muito novo, ganhou espaço no automobilismo em meados da década de 1920. Conseguiu se consolidar, venceu provas importantes e sua grande preciosidade: o primeiro GP de Mônaco da história. Grover-Williams se aposentou das pistas ainda jovem, mas voltou à ativa como combatente na Segunda Guerra Mundial‏

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Vez ou outra o esporte nos brinda com algumas das grandes histórias de superação, ostentação, heroísmo da vida real ou outras variáveis mais ou menos comuns. Muitas destas grandes histórias acabam se perdendo no tempo e no espaço conforme os anos se transformam em décadas e passam rapidamente e os personagens se vão. Mas um olhar aos anos passados pode trazer algo que não merecia ter se perdido.
 
A F1 chega neste final de semana para disputar mais uma etapa do GP de Mônaco. Talvez o GP mais tradicional do mundo, a corrida pelas ruas do Principado esteve na temporada inaugural do Mundial, em 1950. E segue ininterruptamente no calendário desde 1955. Mas sua própria história vai muito mais longe e data de 1929.
 
Naquele ano que terminaria na maior crise econômica da Idade Contemporânea, venceu William Grover-Williams – ou W. Williams, como assinava naquela época – no comando de um Bugatti, que dominou a temporada dos Grand Prix daquele ano, mas com uma equipe particular. Tanto foi, que o carro de Williams era verde, não o azul natural da montadora.
 
E o que aconteceu com o nome de W. Williams, um dos maiores de seu tempo e que não ficou para a história da mesma forma que Rudolf Caracciola, por exemplo? Primeiro que, apesar de extremamente habilidoso atrás do volante, Williams tinha várias vitórias, bastante dinheiro arrecadado e uma esposa com quem dividia uma vida de imenso glamour. A paixão por outros aspectos da existência o fizeram deixar o automobilismo em 1933, aos 30 anos de idade, para aproveitar a vida de um vencedor. 
 
Mas veio um elemento impossível de ser contabilizado: a guerra. E Williams assumiu um papel longe de convencional. De piloto reconhecido para líder de resistência condecorado, a Segunda Guerra Mundial clamou a vida do primeiro vencedor do GP de Mônaco 70 anos atrás, entre fevereiro e março de 1945. Ou não?
Williams Grover-Williams no Bugatti #12 em Mônaco, 1929 (Foto: Goodwood)
O homem
 
Grover-Williams nasceu em 1909, em Montrouge, na França. Tinha a mãe francesa, mas foi registrado como inglês, nacionalidade do pai. E durante sua vida sempre empunhou a bandeira britânica com vivacidade. Foi exatamente em Monte Carlo que ele aprendeu a guiar, mais ou menos aos 15 anos, assim que sua família se mudou para lá.
 
Obcecado por aprender sobre mecânica e conseguir atingir velocidades cada vez maiores, o jovem piloto começou a se aperfeiçoar e participar como W. Williams exatamente para que sua mãe não soubesse que se tratava dele. Era meados da década de 1920, e ele começava a fazer um certo sucesso guiando. O momento que cementou seu interesse foi o Rali de Monte Carlo em 1925, que participou com um Hispano-Suiza H6, e foi um dos 32 a terminar a prova.
 
Em 1926, notando que seu carro não o daria condições de competir por vitórias, Grover-Williams conseguiu seu primeiro Bugatti, um Type 35 de segunda mão. Um motorista de 22 anos não teria muitas formas de conseguir um carro assim, e até hoje não se sabe bem o que aconteceu, embora se diga que ele convenceu Ettore Bugatti. 
 
Enquanto aprendia e ia coletando experiência e dinheiro de premiação de pequenas corridas, Williams fazia outras coisas. Ele trabalhou como motorista de Sir Williams Orpen, famoso pintor irlandês da virada do século. Neste trabalho, conheceu Yvonne Aubicq, amante do pintor. Já velho, Orpen gostou da formação do casal e deu casa e carro de presente para os dois.
 
Foi no GP da França de 1927 que seu nome apareceu com mais força. Para aquela prova, em Montlhéry, Williams havia conseguido um acordo para guiar por uma fábrica, a Talbot, mas com um carro bem menos potente que o vencedor Robert Benoist. Mesmo assim, impressionou.
 
Williams, então, resolveu voltar a seu Type 35. Carros de corrida verde eram uma marca, o 'British Racing Green', amplamente utilizado pela Bentley durante os anos 1920. O tom mais escuro do verde inglês das corridas foi exatamente uma marca do Bugatti pintado de Grover-Williams a partir de 1928, quando ganhou o GP da França, então em Saint-Gaudens, e voltaria a vencer em 1929, já em Le Mans.
 
Entre as duas, Williams firmou seu nome na história do automobilismo. Ele foi o único inglês a entrar no primeiro GP de Mônaco, em 14 de abril de 1929. Completou as 100 voltas do antigo traçado, que seguiria sendo usado até 1972, em 3h56min. E pronto. A corrida mais lendária da F1 tinha sido criada, e o rapaz que corria com nome cheio de truques para enganar a mãe era o primeiro vencedor.
 
Não seriam essas as únicas vitórias em GPs para Grover-Williams. Três triunfos no GP de La Baule, na praia, onde carros atolavam na areia, e a conquista no GP da Bélgica em Spa-Francorchamps em 1931, ao lado de Caberto Conelli, pavimentaram a carreira. Em 1933, Williams concluiu que sua carreira de piloto havia chegado ao final. E assim fez, partindo no auge para uma vida mais pacata ao lado da esposa. Os dois foram figuras constantes nas colunas sociais da época durante a carreira do piloto, mas queriam uma vida mais calma.
O monumento em homenagem ao primeiro vencedor do GP local em Mônaco (Foto: Reprodução)
O combatente
 
A vida pacata de Williams durou alguns anos e foi pouco interrompida no período. Ele até participou de mais um GP de Mônaco, em 1936, um voo solo que rendeu um quinto lugar em prova vencida por Caracciola. Já rico, aumentava a renda ao ensinar donos de Bugatti como manusear suas máquinas.
 
Mas tudo isso mudaria novamente. Em 1939, o inevitável aconteceu. A Alemanha se armou, embora tivesse sido proibida disso ao final da Primeira Guerra, anexou a Áustria, os guetos da Tchecoslováquia até que invadiu a Polônia. A guerra estava declarada. Em 25 de junho de 1940, os alemães tinham vencido o exército francês e ocupado Paris.
 
Willy, como era chamado pelos amigos, se alistou nas Forças Armadas Britânicas. Seu francês fluente o fez um alvo fácil para fazer parte da resistência francesa. Por quase dois anos, Williams foi treinado pelo SOE (Executiva de Operações Oficiais). Ao fim de maio de 1942, foi enfim mandado para Paris, talvez o lugar mais perigoso para um combatente aliado naquele ponto da guerra. A nova rede de resistência, a Chestnut, deveria substituir a antiga, destroçada pela Gestapo, tendo em vista operações para o Dia D.
 
Sob os codinomes de 'Vladimir' e depois 'Sébastien', Williams começou a recrutar pessoas para a resistência parisiense. Uma das primeiras pessoas que contactou foi seu antigo rival das pistas, Benoist, que havia pilotado aviões na Primeira Guerra. Outro piloto, Jean-Pierre Wimille, também atendeu o chamado. A nova rede de resistência deveria ter recebido agentes britânicos logo, o que não aconteceu. E começaram a recrutar, treinar e armar um exército de resistência formado por locais.

O exército underground cometeu vários pequenos e médios atos de sabotagem, incluindo vários na fábrica da Citroën. Mas uma traição acabou levando a Gestapo à casa de Benoist, onde os líderes do grupo acabaram capturados em agosto de 1943. Enquanto Benoist conseguiu escapar e voltar para casa, Williams não teve a mesma sorte. Ele foi torturado em interrogatório e mandado para o campo de concentração de Sachsenhausen. Lá ele ficou por quase dois anos, até ser assassinado em alguma data entre fevereiro e março de 1945, poucos meses antes do fim da guerra. 
Grover-Williams em Nürburgring, 1931
A lenda e a controvérsia
Há linhas de histórias que vão de encontro aos eventos conhecidos. Algumas pessoas acreditam que Williams sobreviveu. Dizem ter visto um homem em eventos de corridas dando autógrafos como "Williams", outros disseram tê-lo visto como dono de quitanda em Surrey. O jornalista Richard Bath, em pesquisa sobre a vida e obra do primeiro vencedor do GP de Mônaco, encontrou documentos do governo inglês que falam de um homem chamado Grover-Williams sendo relocado para os Estados Unidos por agentes do MI6, o Serviço Secreto Britânico. 
 
Isso encontra o que disse Kurt Eccarius, ex-oficial da SS, que afirmou que Williams foi levado a Berlim em janeiro de 1945 – portanto entre um e dois meses antes de sua morte oficial – ao campo de prisioneiros de Rawicz, na Polônia, pouco antes de ser livrado pelo Exército Vermelho.  
 
Ainda segundo Bath, historiadores acreditam que Williams foi usado pelo MI6 entre 1945 e 1947, e a agência britânica diz saber qual foi o destino de Grover Williams, mas não dá qualquer detalhe. 
 
A partir daí, vai uma pesquisa da neta de Benoist, Beatrice van Lith. Certa de que Williams sobreviveu à guerra, ela chegou a fatos no mínimo interessantes. Em 1948, um homem chamado Georges Tambal, que tinha a mesma data de nascimento de Grover-Williams e marcas de espancamento na cabeça, foi morar com a esposa de Willy, Yvonne, onde os vizinhos disseram que ambos viveram como casal. A história de Tambal era de que ele havia chegado a Evreux, na França, pelos Estados Unidos, tendo antes passado por Uganda – dois lugares onde Grover-Williams tinha família.
 
Por fim, o prefeito de Evreux solicitou que Tambal se registrasse na prefeitura da cidade, uma obrigação legal, ele recebeu uma visita da Gendarmaria Nacional da França, uma força policial subordinada às Forças Armadas, ordenando que ele se negasse a atender o perfeito. 
 
Não fosse o bastante, Tambal morreria em 1983 pelas mãos de um alemão. Um turista guiando um carro da Mercedes o atropelou enquanto andava de bicicleta dez anos depois da morte da esposa. 
 
OK, grande parte dessa história é um trabalho de novelização pelo jornalista Robert Ryan e pelo cineasta Jack Bond, que aproveitaram todas as dramatizações para escreverem um livro chamado 'Early One Morning'. 
 
A verdade é que nenhuma destas nuances tem muita consistência. Sobre a identidade do homem levado para os Estados Unidos, muitas pessoas assustadas e traumatizadas tentavam mudar de identidade durante e ao fim da guerra. Uma figura famosa como Grover-Williams era uma vítima fácil.
 
Quanto ao fato de Tambal ser Williams, há os encontros entre pessoas da Bugatti com Yvonne durante os anos seguintes. Hugh Conway, por exemplo, no meio da fundação da Bugatti Fund visitou a esposa de Williams, que ainda detinha documentos e coisas que interessavam. Ele conhecia Williams e foi apresentado a Tambal. Conway nunca levantou a possibilidade de que fossem a mesma pessoa.
 
Outros a se levantarem contra a possibilidade de Williams ter saído vivo da guerra são seu irmão, Frederick, e o historiador da Bugatti, John Staveley, que estudou a história da icônica marca por anos. Segundo Staveley, o irmão nunca foi informado de qualquer coisa diferente. Além disso, as pesquisas do historiador levaram a uma declaração do comandante do campo de Sachsenhausen. Para fugir do julgamento de Nuremberg, o militar disse que Williams foi removido do campo para Berlim em 1945 por motivos de interrogatório. Mas assim que percebeu que não seria um dos julgados em Nuremberg, afirmou que ele próprio assinou a sentença de morte e viu Williams ser levado para a terrível execução.
 
Além do mais, de acordo com Staveley, a ideia de que um membro da SOE como Williams pudesse servir o MI6 é irreal, porque as duas instituições se detestavam e não colaboravam entre elas. O que é possível dizer por documentos é que o piloto nunca deu informações em interrogatórios. O que lhe rendeu a Croix de Guerre, importante condecoração militar dada a estrangeiros que lutaram junto à França.
 

E o troféu de Mônaco? Também usado para defender a ideia original, de que Grover-Williams morreu nas mãos dos militares alemães. Como o tinha como um dos maiores orgulhos, é difícil crer que ele passaria mais de uma década da sua vida sem a lembrança, já que Yvonne cedeu o troféu à Bugatti em meados dos anos 1960.

Honestamente? A história de Grover-Williams não precisa de uma ressuscitação para ser fantástica. A romantização dela torna as coisas ainda mais pitorescas. É difícil pensar em alguém melhor para ter vencido o primeiro GP de Mônaco.

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