Classe média da F1 vive 2014 de pouco brilho na pista e discussões acaloradas sobre gastos excessivos

Mesmo em outro patamar histórico, a McLaren esteve junta à classe media da F1 enquanto encerrava seu ciclo junto à Mercedes. Já Force India, apesar do ano tecnicamente bom, se juntou a Lotus e Sauber nas discussões sobre distribuição de renda na F1 e sobre a saúde financeira das equipes medianas. A quinta parte da parte da RETROSPECTIVA F1 2014 vai trazer o ano dos times do pelotão intermediário do grid

A temporada 2014 foi cruel com a classe média da F1, e isso está posto. Mesmo para a Force India, no melhor ano de sua história, o saldo é um tanto quanto amargo. As dívidas e o engajamento de Vijay Mallya nas discussões sobre a necessidade de uma nova distribuição de renda da F1 eclipsaram o bom ritmo de corrida do VJM07 e da dupla Nico Hülkenberg e Sergio Pérez.

Na McLaren, dívidas e ameaça constante de fechamento das portas não é uma preocupação recorrente. O que ficou suspenso no ar por boa parte do ano era até aonde o carro podia chegar. Os dois pódios na Austrália — após a punição que desclassificou Daniel Ricciardo — deram a impressão de que o mundo estava colorido para a equipe de Woking. A verdade inconveniente apareceu dolorosamente quando entre os GP do Bahrein e da Espanha, três seguidos, Jenson Button e Kevin Magnussen não marcaram um ponto sequer.

Depois, recuperada no desempenho, até conseguiu passar a Force India na segunda metade da temporada e ficar com a quinta colocação. Mas em vez de discutir brigas por vitórias, a McLaren precisou se contentar em comentar sobre a volta da Honda como sua fornecedora para a partir de 2015, bem como sua dupla de pilotos.

Pelos lados da Toro Rosso, a eterna disputa por vagas em seus assentos pegou. A estreia de um talentoso Daniil Kvyat no ano em que Sebastian Vettel resolveu encerrar sua história com a Red Bull apenas abriu caminho para mais discussões e brigas entre pilotos cada vez mais jovens.

Kvyat e Jean-Éric Vergne tinham o carro com o qual o motor Renault roncava mais forte, mas a falta de confiabilidade fez os dois ficarem estacionados em alguns parcos pontos. Assim, Kvyat vai para a Red Bull; Vergne vai para sabe-se lá onde, já que não fica para o próximo ano. Para trás, então, nenhum momento de muito brilhantismo.

Lotus e Sauber apresentaram os piores carros de suas respectivas histórias. A esquadra de Enstone precisou de duas corridas iluminadas de Romain Grosjean, na Espanha e em Mônaco, para somar oito pontos. Depois, com um nono lugar nos Estados Unidos, Pastor Maldonado também deu sua contribuição.

Já o time suíço, nem isso: nenhum ponto anotado em 2014, tornando a situação financeira calamitosa ainda mais grave. O ano também foi marcado por diversas discussões sobre os gastos excessivos da F1, assunto que pesa demais no bolso das equipes intermediárias.

Assim sendo e diante da crise na Caterham e na Marussia, Lotus, Force India e Sauber se uniram para travar uma dura batalha por uma solução quanto aos custos. Até mesmo um boicote nos EUA foi ventilado, mas não foi levado adiante. De qualquer forma, a questão do orçamento ainda está longe de uma solução.

No intervalo entre até a pré-temporada, o debate deve crescer, especialmente porque a F1 já lida com a clara possibilidade de uma redução drástica no número de carros no grid já para o próximo ano.

Pelotão intermediário viveu um ano de 2014 complicado (Foto: Getty Images)

Uma vida no futuro

Quando 2014 começou, a McLaren já pensava além, em como seria o seu próximo ano. Afinal, para entrar no esquema dos motores V6 turbo, a equipe ainda estaria com sua parceira de longo tempo, a Mercedes, mas com a confirmação de que a Honda voltaria a fornecer suas unidades de força a partir do ano seguinte.

Mas Jenson Button e Kevin Magnussen precisavam mostrar algo na pista. De fato, começaram muito bem. Em sua primeira corrida na F1, Magnussen foi ao pódio no terceiro lugar. Após a festa, o champanhe e os hinos, o segundo colocado, Daniel Ricciardo, foi desclassificado. O dinamarquês subiu para o P2, levando o campeão mundial Button para cima, no P3.

Os dois até voltaram a pontuar na Malásia, mas na sequência Bahrein-China-Espanha ambos passaram longe dos pontos. E começaram os disse-me-disse. Primeiro, Button dizendo que com um novato ao lado teve de desenvolver o projeto sozinho; depois, Ron Dennis afirmando que Jenson não estava sendo bom o bastante.

Jenson Button ganhou nova chance na McLaren (Foto: Getty Images)

No meio de tudo isso, Éric Boullier, vindo da Lotus e em sua primeira temporada como diretor de corridas da McLaren. O francês trabalhava na frente da contingência de ânimos, da evolução do carro junto aos alemães da Mercedes e ao projeto do futuro com a Honda. Atrás da Force India pela maior parte da temporada, a McLaren só conseguiu tomar a frente do time indiano em definitivo após o GP da Rússia, o 16º do Mundial de 2014.

Apesar da melhora, já era tarde demais, e o time de Woking estava longe da Ferrari, que sentava na quarta colocação. Dessa forma, o assunto que passou a dominar a atenção dispensada aos prateados dizia respeito a seus pilotos.

Com Sebastian Vettel na Ferrari em 2015, ficou claro que Fernando Alonso não permaneceria. Logo também ficou evidente que o destino do espanhol era a McLaren. Nesse caso, quem seria seu companheiro?

A temporada chegou ao fim, as reuniões se somaram, Ron Dennis foi até a Dinamarca ver qual grande empresa queria alinhar seu nome ao de Magnussen e ao da escuderia. Não conseguiu. O diretor-executivo gostaria de permanecer com o jovem dinamarquês, mas foi vencido pelos japoneses da Honda.

Demorou até 10 de dezembro para a McLaren anunciar que Alonso e Button, com Kevin como reserva, vão estar à frente da equipe para o primeiro ano da nova McLaren-Honda.

Bom, mas ruim

Na Force India, também de motor Mercedes, a temporada foi muito mais animadora em termos técnicos que na McLaren, apesar dos pontos a menos que o time indiano acabou marcando em relação à esquadra de Woking.

Foram 57 pontos nas primeiras cinco corridas, incluindo um pódio: o de Sergio Pérez no Bahrein. Melhor desempenho na história da Force India para começar uma temporada. Nico Hülkenberg marcou pelo menos um ponto em cada uma das primeiras dez corridas do ano, até abandonar o GP da Hungria exatamente por bater em Pérez. O mexicano, diga-se, também voltou a ter seus problemas.

No Canadá, quando era ultrapassado por Felipe Massa pelo quarto lugar já na última volta, provocou uma batida que acabou com a prova de ambos. Pérez foi punido pelos comissários e terminou a corrida em Montreal melancolicamente após chegar a pensar que poderia brigar pela vitória.

Em outro front, o dono e chefe da equipe, Vijay Mallya, se engajou na disputa por melhor distribuição de renda na F1, especialmente ao lado de Monisha Kaltenborn, da Sauber, e Gérard Lopez, da Lotus, mas jurava que a saúde financeira da Force India não vivia maiores problemas.

Nico Hülkenberg terminou o ano à frente do colega Sergio Pérez (Foto: Beto Issa)

Enquanto Caterham e Marussia pediam para se ausentar do GP dos EUA por conta de uma grave crise financeira, a Force India também precisou resolver seus problemas de última hora antes de embarcar para o Texas. A parcela final do pagamento para a Mercedes ainda não havia saído, e as unidades de força que Pérez e Hülkenberg estavam a perigo.

Do ponto de vista técnico, a equipe indiana não pode reclamar de 2014. Resolveu, inclusive, manter sua dupla de pilotos. Mas o trabalho começado nesta temporada para reorganizar o dinheiro que entra e jorra localizado na sala de Bernie Ecclestone é a luta maior de Mallya e da equipe.

As vantagens de andar na aba

Depois de dois anos de estabilidade com Daniel Ricciardo e Jean-Éric Vergne, a Toro Rosso perdeu o australiano para sua escuderia-mãe, a Red Bull, e colocou em seu lugar o novato Daniil Kvyat, que chegou com os créditos de campeão da GP3 em 2013. E logo nos testes de pré-temporada a animação podia ser sentida: a Toro Rosso era melhor que a Red Bull. Claramente, desde o começo a equipe baseada na Itália teve melhor encaixe com os motores V6 turbo na Renault.

Depois de algum tempo e com muitos recursos mais disponíveis, a Red Bull se recuperou. Mesmo assim, durante todo o ano, foram as Toro Rosso que atingiram as maiores velocidades entre as equipes com os motores fornecidos pela montadora francesa. O grande problema dos carros de Kvyat e Vergne não era o motor ou os pilotos: era a confiabilidade, pelo menos na primeira metade do ano.

A Toro Rosso terminou o ano em sétimo (Foto:Getty Images)

Nas dez primeiras corridas, apenas em três ocasiões Vergne e Kvyat conseguiram terminar juntos. Depois, com o crescimento dos outros times, a Toro Rosso se viu perdendo rendimento e vivendo um perigoso período de instabilidade. Apesar de Vergne ter conseguido anotar um sexto lugar em Cingapura, seguido de um nono no Japão.

Ainda assim, o desempenho final foi decisivo para o fraco sétimo lugar no Mundial de Construtores.

A equipe de Faenza também protagonizou uma das mais polêmicas trocas de pilotos. Como porta de entrada dos pilotos do programa da Red Bull, o time radicalizou. O consultor Helmut Marko decidiu colocar Max Verstappen, de 17 anos, em um dos cockpits do time. O holandês será o piloto mais jovem a estrear na F1.

Inicialmente, o filho de Jos entraria no lugar de Jean-Éric Vergne para forma dupla com Kvyat. Porém, a decisão de Sebastian Vettel de deixar a Red Bull mudou todo o cenário. Diante disso, a marca teve de se reorganizar e optou por promover o russo para a esquadra principal.

Dessa forma, uma nova vaga foi aberta em Faenza. Vergne chegou a ser considerado, mas a cúpula da marca austríaca escolheu seguir sua identidade e dispensou o francês, colocando no lugar o jovem espanhol Carlos Sainz Jr, que chega credenciado pelo título da World Series.

Se suas companheiras de posições intermediárias brigam por novo tipo de distribuição de renda na F1 para que paguem as contas, a Toro Rosso, mecenada pela rica Red Bull, não tem essa necessidade em portanto se prepara para colocar em Toro Rosso dar às crias do programa de desenvolvimento da Red Bull um período de teste para os voos mais altos.

A equipe de Faenza vai promover a estreia de Verstappen, o mais jovem da história (Foto: Getty Images)

Poucos bons momentos

A temporada da Lotus estava fadada ao fracasso desde que o dinheiro com que a equipe contava no início da temporada sequer apareceu. O time nem deu as caras nos primeiros testes coletivos da pré-temporada, em Jerez. Daí em diante, o trabalho de 2014 foi correr atrás do tempo. Primeiro, o carro nem conseguia percorrer um par de voltas, era frágil demais. Depois, lento demais. Romain Grosjean e Pastor Maldonado, que correu da Williams para a equipe de Enstone ao fim de 2013, teriam sérios problemas para guiar o carro. E seria impensável colocar o E22 nas primeiras colocações.

No GP inaugural da temporada, na Austrália, nem Grosjean e nem Maldonado consiguiram terminar a prova. Ambos abandonaram com problemas na unidade de força. Grosjean até completou o GP da Malásia, embora uma volta atrás do vencedor Lewis Hamilton, mas Maldonado, mais uma vez, ficou fora por problemas no motor. E assim, aos trancos e barrancos, Grosjean chegou a dois oitavos lugares seguidos, na Espanha e em Mônaco.

Depois disso, nada mais até que Pastor conseguisse arrebatar uma nona colocação nos Estados Unidos, o ponto alto de seu ano marcado por confusões e acidentes.

Lotus teve ano para esquecer (Foto: Getty Images)

Em meio a isso, a Lotus foi outra das equipes dramaticamente afetadas pela crise. O déficit de R$ 243,5 milhões que veio de 2013, somado ao de R$ 210 milhões em 2012 cobraram seu preço mesmo com o corte de custos colocado em prática para esse ano.

O fraco desempenho e a luta para controlar o orçamento, portanto, refletiram a posição final da Lotus no Mundial. Apenas dez pontos e o oitavo lugar. Algo bem distante do quarto posto e dos 315 pontos somados no ano passado. Embora tenha decidido manter a dupla Grosjean e Maldonado, a esquadra de Enstone terá um trunfo em 2015. A marca decidiu se desfazer da Renault e assinou com a poderosa Mercedes para o fornecimento das unidades de força. 

Nem sequer um ponto

Não que se esperasse da Sauber um novo 2012, mas não conseguir marcar sequer um ponto foi além das expectativas pessimistas. Um carro pesado, lento e com enormes problemas de confiabilidade foi a receita do terrível 2014 do time comandado por Monisha Kaltenborn. Para se ter uma ideia de quão frágil o C33 foi durante todo ano: em apenas oito das 19 etapas tanto Adrian Sutil quanto Esteban Gutiérrez chegaram ao final e cruzaram a bandeira quadriculada sem que tivessem sido obrigados a abandonar devido problemas ou batidas.

A lentidão era tanta que Sutil tentou alterar sua própria forma física. Contou ter ficado dois dias sem comer e revelou que não bebeu qualquer líquido durante o GP da Malásia. Era a tentativa de Sutil para saber que tinha se esforçado ao máximo para se sair melhor. Mas com o carro que tinha em mãos de fato ficava difícil. Tanto que o esforço da Malásia parou no meio do caminho, quando um problema elétrico o tirou da prova.

Adrian Sutil está fora da temporada 2015 (Foto: Getty Images)

E se na Austrália Sutil e Gutiérrez estiveram próximos de pontuar, nas posições 11 e 12, no resto do ano isso não voltou a acontecer. O time marcou apenas mais um 11º posto no ano: também com o alemão, mas na Hungria, na prova que fechou a primeira parte do Mundial.

Com Jules Bianchi marcando dois pontos para a Marussia, a Sauber acabou apenas na décima colocação do ano entre 11 escuderias. Assim como Mallya e López, Monisha também deu bastante o ar da graça ao falar da incapacidade da F1 de manter suas equipes vivas. Até vociferou, dizendo que era “uma vergonha” e que “não deveria ser fácil dizer que não importa se alguém for embora”. Sobre o boicote ao GP dos Estados Unidos, porém, se esquivou como os outros chefes.

Para 2015, a Sauber terá sua saúde financeira recebendo um aumento com as chegadas de Marcus Ericsson e Felipe Nasr, dois pilotos de extrema bagagem financeira, no lugar de Sutil e Gutiérrez.

MELHORES DO ANO

E assim, como num passe de mágica, 2014 passou. Foi rápido mesmo. Se Vettel decepcionou, a Mercedes dominou e o medo de acidentes fatais voltou à F1; se a Ganassi não correspondeu e Will Power fez chegar o dia que parecia inalcançável; se Márquez deu mais um passou para construir uma dinastia; se Rubens Barrichello viveu sua redenção, tudo isso é sinal das marcas de 2014 no automobilismo. Para encerrar e reforçar o que aconteceu no ano, a REVISTA WARM UP volta a eleger os melhores do ano.

RETROSPECTIVA 2014
O GRANDE PRÊMIO traz a RETROSPECTIVA 2014 e começa a mergulhar outra vez no que foi a temporada do Mundial de F1 — um ano de uma equipe só. A Mercedes e Lewis Hamilton foram os grandes destaques graças às marcas que alcançaram. A equipe se tornou a recordista de vitórias em um único campeonato graças a um acerto primoroso no desenvolvimento dos novos motores V6 turbo. O inglês se sagrou bicampeão e tornou-se o mais vencedor britânico da história da F1 e o segundo mais vitorioso dentre os pilotos em atividade — atrás só de Sebastian Vettel.
 
O INFLUENTE

A decisão de Sebastian Vettel de deixar a Red Bull "muito provavelmente" foi influenciada pelo desempenho do colega Daniel Ricciardo. A frase é de Christian Horner, o chefe da equipe austríaca. O tetracampeão viveu um ano irregular em 2014. Longe da disputa pelo título, Seb não conseguiu emplacar nenhuma vitória e terminou a temporada na quinta colocação, com 167 pontos e quatro pódios. Já Ricciardo foi o responsável pelos três triunfos do time das bebidas energéticas neste ano.

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