Análise: estaria Alonso trilhando o mesmo caminho de azar de Chris Amon?

A série de coincidências e erros que rondam um círculo vicioso aproximam Chris Amon de Fernando Alonso. OK, um não tem vitória na carreira e outro tem dois títulos, mas chega a impressionar como o espanhol trilha o mesmo caminho de azar do neozelandês desde então. Com um detalhe: Amon passou por McLaren e Ferrari. Com outro detalhe: assim que Amon deixou a Ferrari, os italianos acertaram a mão no carro...

A maioria das vezes, para não dizer toda, em que se o tema azar é mencionado no esporte a motor, é natural que surja num estalo a figura de Chris Amon. Por mais que tivesse qualidade e capacidade de ser campeão lá pelos anos 70, o neozelandês falhou miseravelmente até em ganhar uma única corrida – e olha que em cinco oportunidades largou na pole. Quando venceu, foram duas em provas extracampeonato ou fora da F1, como aconteceu em Le Mans e Daytona. 
 
Amon era aquele tipo que estava para tirar o dez, mas sua inigualável constância para quebrar carros e/ou estar no lugar errado na hora errada lhe afastava da nota máxima e do lugar mais alto do pódio em todas as várias equipes pelas quais passou: na Lola, sofreu com vazamentos de óleo e bomba d’água; viu-se com falhas no câmbio, suspensão e motor na Lotus; superaquecimento e embreagem constam na lista de quando esteve na March; o diferencial foi o nada diferencial na carreira nos tempos de Matra; problemas na alimentação da Tecno lhe afetaram duas vezes; acidentou-se duas vezes pela Ensign nas poucas provas que lá fez; das duas provas pela Tyrrell, uma nem conseguiu largar; ao ter a Brabham na mão, mal se classificou; e em sua última aparição na F1, pela Wolf-Williams, não alinhou.
 
Tentou até ter equipe própria, o coitado. Chamou a Ford de canto e, com a Amon, tentou a vida em quatro etapas lá pelos idos de 1974 – só a partir da quinta, na Espanha, porque o carro, o F101, não havia ficado pronto até então. Naquela corrida, até obteve tempo para correr, mas depois de 22 voltas os freios lhe traíram. Na prova seguinte em Mônaco, questões mecânicas o impediram de largar. Além de um carro ruim, o piloto ficou doente e só reapareceu mais de quatro meses depois, em setembro, no GP da Alemanha; não se classificou. O feito foi repetido em Monza. Fim da Amon.
 
Faltam duas outras equipes na vida de Amon. Reserve. 
Chris Amon, o azar em pessoa no automobilismo (Foto: Getty Images)
Anos 2000, e Michael Schumacher lavava a alma com uma penca e um penta de títulos na Ferrari. Em 2005, mudanças no regulamento permitiram a catapultada da Renault à condição de time de ponta com uma dupla promissora: Giancarlo Fisichella e Fernando Alonso. Ao mesmo tempo, os ferraristas erraram tanto na concepção no carro que a McLaren é quem surgia como maior ameaça aos carros azuis. O italiano e o espanhol gerenciados por Flavio Briatore foram para as cabeças. Fisico abriu o ano com uma vitória na Austrália e Alonso foi o ganhador na Malásia, Bahrein e San Marino. No fim das contas, foi Kimi Räikkönen quem tentou brigar com Alonso, o responsável por quebrar a sequência de Schumacher.
 
O embate direto aconteceu no ano seguinte. Aquele 2006 foi memorável. Até porque, em determinado momento, o GP da Itália, soube-se que Schumacher deixaria a F1. Das 18 provas, apenas quatro não foram vencidas por ambos – além de Fisichella e Räikkönen, o novo companheiro do alemão, Felipe Massa, arrebatou duas, inclusive aquela do Brasil, a última, a que Schumacher tentou o impossível para tirar o título de Alonso e fez uma das suas maiores atuações na carreira.
 
Era Alonso, pois, quem se colocava naturalmente como o dono do trono, o cara que aposentou Schumacher, o suprassumo. 
 
Mas Alonso resolveu partir para a McLaren, que tinha muito mais condições que a Renault de lhe proporcionar mais e mais títulos. O problema é que ele foi lá bicar no terreno de Lewis Hamilton, o novato criado com ‘pear & milk’ desde pequeno no prédio cujo síndico era Ron Dennis. A ebulição da treta se deu naquela classificação do GP da Hungria em Alonso, na parte final do treino, prostrou-se nos boxes para ganhar tempo e impedir que Hamilton, logo atrás, fosse à pista e conseguisse abrir volta rápida para tentar a pole. O negócio desandou de tal forma que os dois, que disputavam o título com o melhor carro do grid, entregaram-no para a Ferrari de Räikkönen em Interlagos.
 
O suco em pó de Alonso ferveu e ninguém conseguiu tomar, quiçá engolir. Como resultado, a porta da rua não foi aberta porque o espanhol saiu pelos fundos.

Os olhos de duas equipes cresceram, mas preferiu o abrigo naquela Renault que lhe deu as glórias, já em curva mais do que descendente. Quais? Red Bull e Honda.

 
Alonso só não passou ileso em 2008 porque foi partícipe do maior bafafá esportivo que a F1 viveu nos últimos anos, aquele armado GP de Cingapura do qual todos conhecem o enredo e suspeitam da participação do próprio para poder ganhá-lo. Indiretamente, Alonso influiu no título que Massa acabou tendo por 20 e poucos segundos no GP do Brasil e que caiu no colo justamente do desafeto Hamilton. 
A comemoração em Cingapura-2008: anjo? (Foto: Getty Images)
Em 2009, quedê Alonso? Viu a Honda virar Brawn e ser campeã. Viu a Red Bull crescer nas mãos de Sebastian Vettel. E, resignado, esperou a Ferrari enxotar o desanimado Räikkönen para que chutasse a Renault em definitivo e assumisse, enfim, o título real de novo Schumacher pelos lados de Maranello. A seu lado, Alonso passou a ter Massa, que vinha com os sinais da mola na testa e a dúvida da lisura de conduta do companheiro. 
 
Felipe sucumbiu de tal forma em 2010 que só restou à Scuderia apoiar seu novo comandante. A McLaren pôs Button em seu lugar e trouxe um novo calor à vida de Hamilton. A classe do primeiro desestabilizou o compatriota, que errou seguidamente. Quem emergia como nova potência era a Red Bull, com o veterano de guerra Mark Webber e a sensação Vettel, vice-campeão no ano anterior. 
 
Alonso chegou como favorito ao título à prova final de Abu Dhabi em 2010 em um campeonato dominado por um incrível Webber, mas que despencou ao despencar de bicicleta no fim do ano, lesionado que estava. Vettel era quase carta fora do baralho naquela disputa. E saiu campeão. Tudo porque Alonso ficou preso a prova inteira atrás de um Vitaly Petrov que nada fizera o ano todo. Mas que era piloto da Lotus-Renault, a Renault, aquela Renault.  
Alonso ficou encaixotado atrás de Petrov em Abu Dhabi: perdeu o título (Foto: Getty Images)
A partir daí a Red Bull e Vettel fizeram o que se esperava de Alonso: vencer, vencer e vencer. Em 2012, é bem verdade que Fernando ousou brigar até o fim, mas ficou novamente no quase. Faltava uma sintonia fina entre Maranello e Astúrias. E no meio de 2013, o ajuste começou a ser perdido de vez. Com a ciência de que o amigo Webber ia se pirulitar da F1, Alonso mandou seu empresário ao território do então inimigo para tentar ficar com o lugar. Quando descobriram, negou tudo, e aí queimou-se lindamente. Teve de aturar mais um ano de Ferrari sob a birra de Luca di Montezemolo, que teve a capacidade de chamar Räikkönen de volta ao ver que ele estava guiando o fino na Lotus, a ex-Renault.  
 
2014 foi o caos total, o pior ano que a Ferrari viveu em décadas, com erros às pencas: um carro mal nascido, uma mudança brusca no comando, um piloto que não se readaptou e outro que não estava nem aí. E como fizera anteriormente, Alonso foi lá na metade da temporada bater à porta da dominante Mercedes. O novo chefe, Marco Mattiacci, não curtiu a ideia. O resultado foi a saída de todo mundo, e Alonso se viu numa situação curiosa: satisfeito por largar o pardieiro d’Italia, mas com a única opção de voltar à McLaren. Foi a Honda que costurou a paz para alimentar sua vontade de reviver uma grande era.
 
A parceria que foi espetacular nas mãos de Ayrton Senna e Alain Prost tornou-se o mote para reanimar o Alonso que teima em não ser mais campeão. 
Fernando Alonso voltou para a McLaren (Foto: McLaren)
Os primeiros testes em Jerez de la Frontera nesta pré-temporada foram lastimáveis: quebras em todos os dias, e nem o espanhol nem Button simularam qualquer programação. Para Barcelona, promessas de melhoras, mas peças mal construídas na unidade de potência voltaram a barrar o tempo de pista dos dois pilotos. E como gergelim do bolo seco, Alonso deu uma pancada no último domingo que segue porcamente explicada, bateu a cabeça, teve uma concussão e foi lá vestir roupa azul-calcinha de hospital, onde está até esta quarta-feira (25).
 
Tire da reserva. Em 1965, Bruce McLaren viu em Amon um potencial piloto para compor seu time que viria a nascer no ano seguinte. A questão é que o piloto/chefe de equipe não teve recursos para colocar um segundo carro para o neozelandês guiar. Amon foi, então, aproveitado para as corridas da Can-Am, um campeonato canadense criado naquele ano. As dificuldades continuaram, sobretudo para achar um motor, e mais uma vez o rapaz ficou na mão. Desistiu do acordo na F1 e fez provas aqui e ali. Até que Enzo Ferrari o chamou para um papo.
 
Amon vestiu vermelho a partir de 1967. O carro era mezzo a mezzo: até terminava provas, mas longe das primeiras posições. Aí, na temporada posterior, voltou a sina: acidentes e problemas dos mais vários tipos, todos aqueles vividos nas múltiplas equipes. Em 1969, a coisa caminhava tão mal que Chris tomou a decisão de deixar a Ferrari no meio da temporada. E o que aconteceu em 1970? Os italianos acertaram a mão e proporcionaram a Clay Regazzoni e Jacky Ickx a chance de disputarem o título, que coube de forma póstuma a Jochen Rindt. 
 
E o que acontece agora na Ferrari sem Alonso? Os caras fazem um carro que já desperta medo na Mercedes com um Vettel empolgado e taxado de ‘Carbono de Schumacher’ e um Räikkönen que até distribui sorrisos e está falante.
 
Alonso é hoje tal qual Amon foi na carreira toda: o resultado ferido de seus atos e suas escolhas que acabam sempre num ciclo vicioso de coincidências e erros. Não há no mundo quem duvide do que Alonso é capaz de fazer com um carro de F1 e é bem provável que a maioria o tenha ainda como o melhor do grid. E como é que o melhor do grid desde a saída do Schumacher não engate um titulozinho sequer há longos oito anos e tem pinta de que vai adicionar mais outro ao seu hiato? 
 
Aos detratores, trata-se do aqui se faz, aqui se paga e do colher o que plantou. Pois àqueles que o tem como o melhor, a única resposta plausível cabe naquilo que Amon carregou nos ombros e que o pessoal dribla para não atrair agouro ainda maior. É má sorte. É o eufemismo do azar. 
Fernando Alonso é levado de helicóptero para hospital em Barcelona (Foto: Xavi Bonilla/Grande Prêmio)

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