Eles sonharam com o título da F1, mas acabaram campeões de outro mundial

Um dia, Anthony Davidson e Sébastien Buemi correram no Mundial de F1 e sonharam em ser campeões por lá. Mas a porta da principal categoria do planeta se fechou, eles foram ser felizes no Mundial de Endurance e agora cada um tem ao lado do nome no currículo o status de “campeão mundial”

Anthony Davidson e Sébastien Buemi, campeões mundiais de endurance em 2014 (Foto: Facebook)

Anthony Davidson e Sébastien Buemi têm muito em comum.

 
Para um, a carreira na F1 durou 24 GPs entre 2002 e 2008 com Minardi, BAR e Super Aguri. Para o outro, foram 55 corridas consecutivas de 2009 a 2011 pela Toro Rosso. Ambos tiveram o apoio de grandes companhias para chegar à principal categoria do planeta e foram considerados bons pilotos diante dos carros com os quais correram. E ambos viram a porta da F1 fechar em suas caras, fazendo com que tivessem de caçar outros rumos.
 
O sonho que eles tinham também era o mesmo: poder acrescentar as palavras “campeão mundial” no currículo. Sonho este que foi alcançado de forma conjunta em 2014 — no outro Mundial.
 
O WEC não tem o mesmo peso da F1, tampouco o glamour, a história ou o significado. Nele, os pilotos estão longe de ser heróis como Ayrton Senna ou Michael Schumacher. É um outro título mundial, mas, acima de tudo, um título mundial. E tanto Davidson quanto Buemi, em entrevista ao GRANDE PRÊMIO, se mostram satisfeitos — ainda que não 100% — com a conquista junto da Toyota.
 
“Eu sinto que é uma conquista adequada para a minha carreira”, fala Davidson. “Não completamente, pois eu queria ser campeão mundial de F1, mas às vezes a realidade é um pouco diferente, então, sim”, afirma Buemi.
 
Os dois também concordam que vencer pela Toyota valoriza o feito e é ainda melhor do que por Audi ou Porsche. “Todo mundo espera que eles vençam, então é ótimo vencer com esta equipe”, avalia Sébastien. “Com a chegada da Porsche e o domínio da Audi, vencer um Mundial de Endurance significa que o trabalho precisa ser muito duro. E foi”, complementa Anthony.
Davidson, inglês de 35 anos, ingressou no mundo da F1 contando com o apoio da BAR, equipe de propriedade da fabricante de cigarros British American Tobacco. Por lá, ficou por praticamente toda a carreira. Foi piloto de testes até 2006, já após a tomada de comando feita pela Honda, tendo recebido permissão para disputar duas provas pela Minardi em 2002 no lugar do malaio Alex Yoong, e sendo chamado para substituir um adoentado Takuma Sato na Malásia em 2005. Em 2007, foi para a coirmã Super Aguri, onde viveu seus melhores dias, e retornou a Brackley em 2009, após a morte do time de Aguri Suzuki, para ser reserva da Brawn GP. Neste meio tempo, começou a se aventurar no endurance com a Peugeot.
 
“Eu me sinto bem estabelecido nos protótipos e sinto que sou um piloto melhor do que fui na F1”, diz o britânico. Por que? “Não sei! Pilotos diferentes se dão bem em carros diferentes. Vimos Sebastian Vettel neste ano, é um piloto diferente em comparação aos anos em que dominou. Apenas sinto que, desde que cheguei aos protótipos, me adaptei mais. Gosto de dividir o carro com meus companheiros, da camaradagem. O que muitos pilotos acham difícil.”
 
Toda a experiência acumulada como piloto de testes na F1 tem se mostrado bastante útil neste momento da carreira. “Sempre fui um jogador de equipe. Aprendi, nos meus dias de pilotos de testes na F1, a acertar o carro para alguém. É o que se faz. Acho que isso me tornou um bom piloto de endurance, que não é egoísta e não tem um grande ego. Sempre quero ser rápido — o mais rápido, não me entenda mal —, mas entendo como é importante trabalhar com seus companheiros. É algo com o que alguns pilotos da F1 sofreriam nos protótipos. A mentalidade deles é diferente”, comenta.
 
Buemi, suíço, 26 anos, entrou para o Red Bull Junior Team em 2007 e, dois anos, depois, foi promovido à F1 pela Toro Rosso para substituir Sebastian Vettel. A equipe não tinha um grande carro, mas ele superou o companheiro Sébastien Bourdais, que começou o ano. Continuou por lá até o fim de 2011, mas ficou a impressão de que estava no lugar errado na hora errada. Sem que uma vaga abrisse na equipe de cima, teve de passar a vez para Daniel Ricciardo e Jean-Éric Vergne em 2012 e só continuou na F1 como reserva da Red Bull.
 
Ele sente que a carreira na F1 deveria ter sido mais longa. “Essa é uma história que nunca termina. Vamos falar disso várias vezes, mas, sim, eu sinto que deveria ter tido chances melhores. Mas é isso. Você tem de aprender a conviver. Estou feliz e vamos em frente”, fala.
(Arte: Bruno Mantovani)
Apesar de todas as semelhanças, Davidson e Buemi também já tiveram suas diferenças — e precisaram sentar para conversar e resolvê-las. O inglês relata que, no fim da temporada 2013, a parceria estava caminhando em uma direção ruim: “Quando Sébastien chegou, havia uma grande competição entre nós, e tivemos uma situação na China, em 2013, em que tudo veio à nossa cabeça. Tivemos que sentar, sermos honestos um com o outro e percebemos que a disputa estava fugindo de controle e arrastando nosso carro para trás. Dois cachorros tentando marcar seu território, e não funcionava. Essa discussão honesta e aberta nos tornou mais fortes”.
 
Na visão dele, como em um casamento, a relação entre companheiros de carro no endurance depende de comprometimento — da posição do banco ao acerto do carro. “Não há espaço para um grande ego. Você precisa se dar bem com todos. Não é tão importante quanto ser rápido, mas é uma boa porcentagem do que te faz um bom piloto aqui. E as equipes olham para isso”, diz. “Na F1, eu era obcecado sobre a competição com meu companheiro de equipe. Queria ser o mais rápido em todas as sessões. Aqui, se algum está com dificuldades, você tem que trabalhar com ele para entender em que direção é preciso levar o carro. Tom Kristensen talvez nunca tenha sido um Fernando Alonso atrás do volante de um monoposto, mas sua combinação de cada atributo faz dele um dos melhores pilotos de endurance que já viveu.”
 
E Davidson diz que vencer junto de outro piloto é ainda melhor que vencer sozinho. “A melhor coisa da LMP1 ou do endurance em geral é que, quando você vence, você divide aquela sensação com quem pilotou o carro com você! É incrível! Parece mais um jogo de futebol. Comemorar sozinho é bom, mas os amigos tornam as comemorações melhores”, garante. Perder… “Se você é o culpado, sente-se terrível. Decepcionou seus companheiros. Quando perde, é pior do que perder sozinho. E quando não é você que comete o erro, sabe a dor pela qual o outro está passando. Não o culpa, apenas fica aliviado porque não foi você. É muito importante ter o relacionamento correto.”
 
A partir da ‘DR’, a parceria deslanchou. Com o ótimo TS-040 desenhado pela Toyota para 2014, Buemi e Davidson, que começaram o ano ainda formando um trio com o francês Nicolas Lapierre, venceram na abertura em Silverstone e na segunda corrida, em Spa. Perderam duas seguidas em Le Mans e Austin, mas reagiram e venceram de novo em Fuji e em Xangai. No Bahrein, apesar de um problema mecânico, garantiram a disputa de Pilotos por antecipação. A taça de marcas foi assegurada no encerramento da temporada, em Interlagos.
O Toyota dos campeões Sébastien Buemi e Anthony Davidson (Foto: Gabriel Pedreschi)
Para Buemi, os momentos mais importantes foram justamente as duas derrotas da parte intermediária do campeonato. “Não acho que tem um momento chave. Se tiver, é que terminamos Le Mans. Depois de um grande acidente, podíamos ter parado, mas chegamos ao final e marcamos 30 pontos. E em Austin, quando saímos da pista e ainda terminamos em terceiro lugar. Foram duas corridas importantes que poderíamos ter abandonado e que terminamos, marcamos 45 pontos”, fala. “Exceto pelo Bahrein, em que tivemos um grande problema, sempre terminamos as corridas agora. É a chave neste campeonato, que não tem tantos carros.”
 
Para Davidson, a F1 já está enterrada no passado. Ele apenas vai à categoria como comentarista da Sky Sports no Reino Unido. Buemi prefere “nunca dizer não”, mas reconhece que é muito difícil ter uma nova chance. Assim sendo, o foco de ambos está no próximo objetivo — e eles não esperam nem a pergunta ser concluída para já se adiantar e falar a respeito dele.
 
“Precisamos vencer Le Mans. É a única coisa”, declara Buemi.
 
“É Le Mans. Claro que você quer vencer toda corrida, todo campeonato, todo evento. Mas já venci as 12 Horas de Sebring antes e agora quero dobrar a distância e vencer as 24 Horas de Le Mans”, reforça Davidson.
Agora falta a Toyota vencer as 24 Horas de Le Mans (Foto: Getty Images)
Buemi ressalta que o aprendizado feito em 2014, especialmente ao contornar os problemas enfrentados em Le Mans para chegar ao fim da prova, é imprescindível para o desempenho que o time espera ter em 2015. Por outro lado, ter um carro a menos que as concorrentes Audi, Porsche e Nissan será uma pedra no sapato. “Você sabe que não vai para Le Mans sempre com o melhor carro. Quando tem, tem de vencer. E nós não vencemos. É difícil. Vamos continuar com dois carros, mas espero que um dia tenhamos três, pois acho que assim a chance é maior”, diz.
 
“Se vencemos o campeonato neste ano, queremos vencer no próximo ano, mas Le Mans é a grande coisa. É possível. Trabalhamos muito duro. Sabemos que não será fácil, pois a Audi vai melhorar, a Porsche vai, mas nós também vamos. Esperamos vencer Le Mans um dia e vamos trabalhar duro para isso”, acrescenta.
 
Davidson parece querer ainda mais essa vitória: “É provavelmente a maior corrida do mundo, e ter isso no seu currículo ao lado do status de campeão mundial é o meu objetivo. Já pensava nisso, na verdade, antes de me tornar campeão mundial. Para mim, ser campeão mundial é legal, significa muito, mas Le Mans é uma corrida que quero desesperadamente vencer”. Buemi e Davidson chegaram na segunda posição em 2012 e em terceiro lugar em Le Mans em 2014. Em 2015, terão o número 1 na frente do carro e um novo companheiro de equipe — tudo indica que o reserva Mike Conway será efetivado, mas a Toyota ainda não anuncia — para correr atrás deste próximo objetivo.
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