Coluna Safety-car, por Felipe Giacomelli: Mito

A imagem que ficou para todo mundo é de um Gil de Ferran vencedor e ninguém pode falar o contrário. Digo isso, porque acho que Tony Kanaan poderia pensar bem e também parar neste momento

No último sábado (25), um dia antes de Tony Kanaan entrar de vez para a história do automobilismo mundial, outro piloto brasileiro era quem estava comemorando. Naquele dia, há exatos dez anos, Gil de Ferran vencera as 500 Milhas de Indianápolis, em uma corrida bastante complicada para ele.

Em 2003, eu tinha apenas 14 anos de idade, mas lembro muito bem como foi. Gil era um dos poucos pilotos para quem eu realmente torcia. Naqueles tempos, eu não acompanhava o automobilismo tão de perto, mas a Indy era um dos campeonatos que eu mais gostava de ver, principalmente pelas chegadas sempre imprevisíveis.

Apesar disso, não estava fácil torcer pelo piloto da Penske. No ano anterior, em 2002, Gil estava na luta pelo título até a penúltima corrida, em Chicago, quando sofreu um forte acidente. O brasileiro foi diagnosticado com uma concussão e acabou ficando de fora da última prova do ano. Como resultado, ele somou apenas sete pontos nas duas corridas derradeiras, enquanto Sam Hornish Jr., o campeão, obteve 102.

Gil de Ferran se aposentou depois de ganhar a Indy 500 (Foto: IndyCar)

O ano de 2003 não começou muito diferente. Logo na segunda etapa, em Phoenix, De Ferran se envolveu em um acidente com Michael Andretti e voltou a sofrer uma concussão. Como a corrida seguinte estava marcada para o Japão, a equipe Penske achou melhor que ele não corresse para se recuperar da segunda pancada na cabeça.

Como qualquer torcedor, a primeira coisa que pensei foi “já vi esse filme antes”. Com o brasileiro perdendo uma prova, eu já sabia que ele não tinha mais chances de ser campeão. Para piorar, conforme as coisas andavam, havia o risco de Gil sequer chegar à última corrida da temporada, quanto mais lutar pelo título.

É que por causa das duas concussões, ele teve uma readaptação demorada ao carro da Indy, tanto que nos primeiros treinos para as 500 Milhas ele sequer conseguiu pilotá-lo. Por sorte, pouco a pouco os reflexos foram voltando, e o brasileiro conseguiu a classificação para a tradicional corrida americana.

No domingo, 25 de maio de 2003, as atenções na verdade estavam voltadas a outro brasileiro: Helio Castroneves, que poderia atingir a marca história de três vitórias consecutivas em Indianápolis. Por isso, era Helinho quem as câmeras focalizavam. E ele rapidamente assumiu a liderança, com o companheiro de equipe se aproximando.

Na volta 169, Castroneves perdeu muito tempo para ultrapassar um retardatário, permitindo que De Ferran assumisse a liderança. A partir daí, o veterano precisou sustentar a ponta na parada nos boxes, após o problema de Robby Gordon, além de impedir que o companheiro o ultrapassasse na relargada, faltando seis giros para o final, depois que Dan Wheldon batera. Como Helio não passou, Gil de Ferran recebeu a bandeira quadriculada na frente e pôde comemorar a vitória em Indianápolis escalando ao alambrado ao lado do companheiro.

Depois da vitória na Indy 500, o brasileiro ainda ganhou outras duas corridas durante o ano, mas o título não veio. Gil terminou com o vice-campeonato, fechando a temporada apenas 18 pontos atrás de Scott Dixon, o campeão, mas com uma corrida a menos. Pelo segundo ano consecutivo, ficou aquele gosto do quase.

No fim de 2003, Gil de Ferran se aposentou, uma decisão que já vinha sendo amadurecida por causa dos dois graves acidentes, além de o piloto estar com dois filhos pequenos. Com isso, Gil foi um dos poucos pilotos brasileiros que soube deixar as pistas enquanto estava no topo, sem precisar se arrastar por equipes menores apenas para dar mais longevidade ao trabalho.

Acho que é assim que se constrói um mito. A imagem que ficou para todo mundo foi a de um Gil de Ferran vencedor e ninguém pode falar o contrário. Digo isso, porque acho que Kanaan também poderia pensar em parar neste momento. Para se ter uma ideia, o piloto baiano só conseguiu o orçamento necessário para terminar a atual temporada da Indy com a vitória em Indianápolis.

Se ao deixar a Andretti, Tony ainda tinha negócios inacabados na categoria, hoje ele não é mais um piloto que precisa andar de empresa em empresa com uma pastinha debaixo do braço para procurar um patrocinador. Seria mais justo que ele aproveitasse esse tempo para curtir junto com a família e andar de outras coisas, como endurance, GT e Nascar, mas apenas por diversão. Kanaan, porém, já afirmou que ainda não pensa em se aposentar e já começou a negociar para o próximo ano. Sorte dele e de quem o acompanha.

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