Em vez de voltar aos tempos de glória com Honda, McLaren tem pior ano de sua história na F1 e perde credibilidade

A McLaren apostou alto na parceria com a Honda e desenvolveu um projeto ousado alegando que isso a deixaria em condição de alcançar a Mercedes para lutar por títulos novamente na F1. Mas, após nove corridas, a escuderia amarga o pior ano de sua história na categoria e perdeu completamente a credibilidade: já não é possível saber até que ponto o discurso dos pilotos é verdadeiro

Não é que o ano da McLaren está ruim. É que a temporada 2015 da F1, a 50ª da equipe na F1, é a pior de sua história. Os sinais de melhora são poucos, os vexames são sucessivos e o futuro segue otimista apenas no discurso dos diretores e dos pilotos: já se passaram nove corridas, e nenhum verdadeiro sinal de progresso pode ser notado, nem mesmo nas melhores apresentações. Os motivos de preocupação, portanto, são muitos para a segunda equipe mais vencedora dos 65 anos de F1, mas o tom blasé dos representantes do time permanece, o que já afeta até mesmo sua credibilidade.
(Arte: Rodrigo Berton)
Os números não deixam mentir, embora a disparidade dos sistemas de pontuação jogue a favor deste time de 2015: fosse a F1 2015 como a F1 1967, com apenas os seis melhores de cada corrida pontuando, a média da McLaren após 9 GPs seria igual a zero. A equipe não avançou ao Q3 nenhuma vez no ano, tampouco chegou perto de liderar uma prova, ainda que ocasionalmente.
 
As explicações são muitas. O projeto ousado do chassi exigiu ousadia igual na compactação da unidade de força; a complexidade dos V6 turbo com seus sistemas híbridos torna muito difícil que uma montadora entre na categoria no mesmo nível das adversárias; há grandes dificuldades que, uma vez resolvidas, permitirão um bom salto de performance; e por aí vai.
 
Enquanto isso, o time se afunda cada vez mais em uma crise que não é de hoje: desde o GP do Brasil de 2012, há dois anos e meio, que a toda-poderosa esquadra de Ron Dennis não sabe o que é vencer.
Caminhadas frustrantes como esta, de volta aos boxes após a quebra do câmbio no TL3 na Áustria, tem sido mais do que comuns para Fernando Alonso em 2015 (Foto: AP)
Pior do que andar sem sair do lugar
 
Há dois anos, nesta mesma época do ano, já se discutia a crise da McLaren. Questionava-se o momento de uma equipe que amargava as posições intermediárias do grid, fora da luta por vitórias e pódios, porém pontuando com frequência. Na verdade, em todo o campeonato de 2013, a escuderia somou pontos em 17 das 19 corridas. O problema é que o desempenho deixava a desejar, e a então recorde sequência de 64 GPs seguidos na zona de pontuação encerrou-se com Sergio Pérez em 11º e Jenson Button em 12º no Canadá. Pérez, contratado para substituir o campeão mundial Lewis Hamilton, acabou fritado internamente e sequer esperou o fim do ano para anunciar sua saída. Uma promessa que não vingou no “Caldeirão de Woking”.

Em janeiro de 2014, ainda veio a notícia da saída de Martin Whitmarsh e a retomada de controle de Dennis, com a intenção de promover uma reestruturação e recolocar o time no rumo certo. Eric Boullier foi contratado e passou a dividir a gestão do dia a dia com Jonathan Neale. A essa altura, a parceria com a Honda para 2015 já estava firmada há meses. Competando o cenário, fala-se desde essa época de atritos entre Dennis e Mansur Ojjeh, outro acionista, e ninguém sabe direito em que isso acarretará.

 
Com o motor Mercedes no primeiro ano da nova era turbo, o desempenho foi um pouco melhor: o time subiu de 122 para 181 pontos, ainda que só tenha ido ao pódio no GP da Austrália e liderado apenas uma volta em todo o campeonato – com Button no chuvoso GP da Hungria. Ao menos o lugar no top-5 foi mantido.
 
E onde a equipe está hoje? Em uma situação muito pior. Antes tivesse só ficado parada no tempo enquanto as rivais se desenvolviam. Na verdade, andou para trás, apesar de todos os recursos que tem. O trabalho dos últimos 18 meses ainda não foi capaz de reerguer a McLaren a um patamar que, diante da história do time na F1, possa ser considerado minimamente decente.
Em 2013, quando a McLaren completou 50 anos de existência, a situação já não era das melhores. Na F1, a temporada 2015 é a 50ª (Foto: Getty Images)
Tudo muda rapidamente
 
“Nós todos sabemos que este ano está sendo difícil para eles e para mim é, definitivamente, difícil ver isso”, admitiu Lewis Hamilton, criado pela McLaren, piloto do time por seis temporadas e responsável pelo último título da escuderia. Em um paddock majoritariamente britânico, o inglês é um dos muitos que demonstra tristeza por ver uma equipe que conquistou 12 Mundiais de Pilotos, oito de Construtores e um incrível total de 182 vitórias em GPs.
 
“É um time ótimo, enorme, que teve um grande sucesso e é um time do qual fui parte por muitos anos. É uma sensação muito anormal vê-los na posição em que estão agora”, continuou Hamilton. “Eles têm o ótimo Ron Dennis lá, muitos engenheiros ótimos e um grande espírito de equipe, o que acredito que, eventualmente, vai prevalecer. É uma situação ruim para eles agora, mas tomara que tenha uma luz no fim do túnel.”
 

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O início do declínio em Woking coincide com a saída de Hamilton, no fim de 2012. Lutando pelo título, ele se viu deixado na mão pelo time em alguns momentos, como no GP de Cingapura, quando sofreu com uma quebra de câmbio. O ambiente foi se desgastando pouco a pouco, e o próprio Hamilton causou um grande mal-estar ao postar no Twitter uma foto da telemetria do carro no GP da Bélgica. No fim de setembro, veio a notícia que chocou o mercado de pilotos da F1: ele deixaria a McLaren para correr pela Mercedes no lugar de Michael Schumacher em 2013.

 
Niki Lauda, peça-chave no negócio que garantiu sua entrada na cúpula da Mercedes, argumentou com Hamilton: “Você vai ser campeão antes se vier comigo”. Foi mesmo.
 
Não era algo óbvio. Àquela altura, parecia um erro enorme de Hamilton sair de sua casa. A McLaren tinha um carro tão bom quanto o da Red Bull em 2012, tanto que venceu a mesma quantidade de corridas. Já a Mercedes triunfara somente no GP da China com Nico Rosberg. Na mesma época, o diretor-técnico Paddy Lowe também decidiu sair para a Mercedes.
 
Em 2013, no entanto, os engenheiros da McLaren decidiram que era preciso dar uma guinada no projeto do carro. Entendendo que não havia mais para onde evoluir seguindo com a mesma linha de pensamento, o bólido foi inteiramente redesenhado, e o desempenho ruim a partir do GP da Austrália catalisou todos os problemas dos meses seguintes. A ausência de resultados expressivos não ajudou a acalmar os atritos entre os dois pilotos e tornou evidente outras falhas internas. No fim do ano, o patrocínio-máster com a Vodafone expirou, e até hoje um acordo não foi assinado. Dennis se recusa a baixar o preço para quem quiser dar nome à McLaren.
 
O conjunto desta obra foi usado por Eddie Jordan, antes do GP da Inglaterra, para contextualizar a crítica que ele fez à “arrogante” diretoria da McLaren. “Você pode dizer que a Honda é uma bagunça, mas a McLaren também é. Eles são hoje a sombra do que já foram, desde que arrogantemente falaram que Lewis Hamilton ruiria no dia que deixasse a McLaren. Veja como ele respondeu", afirmou Jordan. "A arrogância ainda está lá, na cúpula da McLaren. Eles estão desesperadamente fora do ritmo e quem pensa que é só o motor que está fazendo isso está se desiludindo. O motor é grande parte, mas há muitos outros problemas lá."
 
Ron Dennis respondeu sem medir as palavras: "Eu considero a F1 meio que como uma família. Famílias vivem em vilarejos, e todo vilarejo sempre tem um idiota. A carapuça serve perfeitamente".
A despedida de Hamilton em 2012 foi emocionante, e até dava a impressão de que ele e a McLaren, na verdade, não queriam se separar (Foto: McLaren)
Novamente falando daquela má-fase de 2013, na época, não parecia ser o caso de se comparar a condição da McLaren a, por exemplo, a decadência da Williams. As informações davam conta de que um novo patrocinador-máster já estava bem encaminhado, e havia ainda a esperança de uma recuperação mais acentuada com o retorno da Honda. Além disso, o histórico de voltas por cima em anos recentes, como 2010 e 2011, também jogava a favor.
 
De repente, 24 meses depois, a Williams é quem tem patrocínios fortes e anda nas primeiras posições, ao passo que a McLaren está na rabeira do grid a ponto de terminar o campeonato fora do top-5 pela primeira vez desde 1981.
 
A culpa é da Honda?
 
Considerando que este é o terceiro ano seguido que a McLaren deve passar em branco, não chega nem a ser correto depositar toda a culpa na Honda. Afinal de contas, não são os japoneses que cometem erros como montar os pneus de um carro em outro em um treino classificatório. Ou que fabricam o câmbio que quebrou com Alonso nos treinos na Áustria.
 
Sim, a Honda tem uma grande parcela de culpa no fato de este ser o pior ano da história da McLaren. E, assim, vai se manchando uma linda história construída pela associação entre as duas empresas entre 1988 e 1992, que rendeu quatro taças de Pilotos e quatro de Construtores.
 
A montadora pareceu fazer progresso na chegada à Europa, com Fernando Alonso apresentando-se dignamente no GP da Espanha até precisar abandonar com um superaquecimento nos freios – provocado por uma sobreviseira que enroscou ali ao ser jogada fora pelo espanhol. E, em Mônaco, Button marcou seus pontinhos. Mas, no Canadá, foram gastos os dois primeiros ‘tokens’ do ano, e o desempenho foi sofrível. Na Áustria, dias depois de assumir o cargo, o novo presidente da Honda foi acompanhar de perto o GP e viu Alonso bater na primeira volta e Button se retirar logo em seguida. Isso, depois de ambos dividirem a última fila. “É triste para a F1 ter dois campeões mundiais no fim do grid”, sentenciou Éric Boullier na ocasião. Na Inglaterra, Alonso só foi décimo depois de uma série de trapalhadas de Marcus Ericsson e da Sauber na estratégia.
 
Diante de todo esse drama, os times concordaram que era preciso esmorecer diante dos japoneses. Concederam um motor extra para o restante do ano e decidiram que as punições farão com que, no máximo, o piloto precise largar na última colocação.
Yasuhisa Arai segue garantindo que a Honda vai empurrar a McLaren de volta ao topo (Foto: Getty Images)
Com isso, vem o ajuste no planejamento e a ideia de gastar mais ‘tokens’ para o GP da Hungria, um circuito mais travado em que pensar em pontos se torna algo ligeiramente mais realista. Ou, então, para o GP da Bélgica, logo após as férias de verão.
 
Diretor de automobilismo da Honda, Yasuhisa Arai já admitiu que está sob pressão. Por outro lado, segue garantindo que sua empresa é capaz de dar a volta por cima. "É muito difícil dizer o quanto de potencial ainda temos com essa unidade, mas acho que não é só do lado do motor, mas também precisamos ver o que será feito com os chassis em termos de pacote aerodinâmico", disse o engenheiro nipônico em entrevista à publicação ‘F1i.com’.
 
Boullier já deixou um recado, falando ao site norte-americano ‘Motorsport.com’: a Honda precisa fazer as coisas “do jeito da F1”, não tão metodicamente como tem sido desde o princípio.
 
“Nós já temos os recursos necessários. Eu quero liderar meu programa eu mesmo. Precisamos dar o passo que podemos dar a cada ano. Eu prometo que é um projeto de longo prazo para a Honda", reiterou Arai em uma outra entrevista à imprensa. E, ao menos com relação ao comprometimento da Honda com a parceria, a McLaren não tem dúvida alguma.
(Arte: Rodrigo Berton)
Era melhor ter ficado com a Mercedes?
 
Essa resposta é mais fácil de ser dada quando se sabe que o único circuito em que o MP4-30 foi mais rápido que o MP4-29 foi o de Mônaco. Mas, olhando para as circunstâncias em que a decisão foi tomada, é algo que envolve, também, a filosofia de cada um.
 
A Williams acredita que pode ser campeã da F1 comprando motores da Mercedes. Basta realizar um trabalho melhor no chassi e na aerodinâmica.
 
A McLaren não pensa assim – e a Red Bull, até torrar de vez a paciência com a Renault e passar a cogitar uma mudança para a Ferrari, também não pensava.
Felipe Massa liderou toda a primeira parte da corrida neste domingo em Silverstone (Foto: AP)
“Certamente que não esperava estar assim a essa altura. Tinha todos os motivos para pensar que estaríamos numa situação melhor atualmente. Estamos diante de um grande desafio, porque nosso objetivo continua a ser vencer o título mundial”, admitiu Dennis em entrevista à ‘Autosprint’.
 
“Veja a última classificação em Silverstone: a equipe de fábrica foi quase 1s mais rápida que a Williams. Com um motor Mercedes ‘cliente’, você nunca vai conseguir fechar reduzir essa diferença. Esses motores são muito complexos. É preciso um comprometimento total da parte dos fornecedores e parceiros técnicos. É por isso que preferi o caminho da Honda. Porque mesmo que ela demore mais tempo, é a chance mais concreta para a McLaren voltar ao topo”, defendeu.

Pode-se argumentar que a mesma McLaren superou a equipe Mercedes entre 2010 e em 2012, e que em 2009, quando ainda era o 'time oficial' da fábrica de Stuttgart, viu a cliente BrawnGP ser campeã. 

Jenson Button (Foto: McLaren/Facebook)
Da boca para a fora?
 

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A frase de mais efeito de Button durante a pré-temporada na Espanha foi: “Não vamos vencer a primeira corrida do ano, mas queremos vencer a última”. Antes do GP da Inglaterra, o tom era ligeiramente diferente. “A gente não pode terminar este ano 2s atrás da Mercedes, e espero que isso mude em 2016. Queremos terminar as corridas e queremos confiabilidade para estarmos em boa forma. Contudo, pessoalmente, eu preferiria ver melhora primeiramente no nosso ritmo e, depois, na confiabilidade”, falou à ‘Press Association’.

 
Mas, diante do tamanho do drama, tais momentos de insatisfação tem sido até que raros. A essa altura do ano, a ideia era se classificar regularmente ao Q3, especialmente com o pacotão de atualizações aerodinâmicas estreado na Áustria. No caso de Button, seu grande dia de mau-humor foi após o GP da Espanha. Ele disse, naquele domingo, que o carro estava “assustador” na corrida. “Depois de hoje, não acho que podemos esperar pontos neste ano”, bradou. Depois, minimizou, indicou que estava de cabeça quente, e deixou o episódio para trás com os pontos em Monte Carlo.
Alonso saiu da Ferrari porque queria vencer, mas está longe disso na McLaren (Foto: Beto Issa)
Para Alonso, esse momento chegou um mês depois, no GP do Canadá, quando ele se recusou pelo rádio a economizar combustível durante uma briga por posição e reclamou que ele e a McLaren já estavam parecendo amadores o bastante. Outro foi depois da classificação para o GP da Inglaterra: “Temos um pouco de déficit de potência. Não podemos ficar frustrados todos os finais de semana. Restam dez semanas de teste, quem não estiver feliz com os resultados deste ano pode apagar a televisão até o ano que vem. Corridas piores ainda estão por vir”.
 
Depois de cinco meses, ao se resgatar aquela declaração de Button, a pergunta já deve ser refeita. Não é mais questão de parar de dar vexame em 2015, é se vai continuar assim em 2016.
 
Boullier está certo de que não. Ele foi enfático em uma entrevista ao site oficial da F1 nesta semana: os problemas que tanto limitam a quilometragem e os resultados da McLaren em 2015 não impedirão a escuderia se preparar adequadamente para 2016.
 
“Vimos que a Ferrari e a Mercedes foram capazes de dar grandes passos do primeiro para o segundo ano. Também esperamos isso no nosso caso”, afirmou o francês. 
 
“Não é uma questão apenas de potencia, também tem a ver com a dirigibilidade do motor, o que vem sendo bem difícil de controlar até aqui. Deixe eu te dar um exemplo: todos temos a mesma potencia em termos de potencia elétrica, mas alguns motores conseguem recuperar a energia melhor. É por isso que você nota uma diferença na classificação e na corrida. Nós não somos capazes, hoje, de desbloquear todo o potencial de recuperação porque, se fizermos, vai provocar problemas de confiabilidade, e isso nos prejudica na performance. Mas está lá! Apenas temos que encontrar os remédios corretos para desbloquear isso”, explicou. “Se você me disser amanhã que podemos usar toda a carga aerodinâmica do carro, nós vamos ser segundos mais rápidos”, assegurou, em outro momento. 
É, Boullier, a situação não está fácil (Foto: Getty Images)
Nem jogar a toalha com relação às chances de pódio neste ano ele joga. “Já falei e repito: se pudermos desbloquear esse potencial que temos, vamos talvez brigar por pódios, com alguma sorte. Se der para acionar o MGU-K nas retas todas as voltas, será um grande ganho de tempo. Hoje, não podemos fazer isso”, adicionou.
 
“Sabemos que nossos carros não tem décimos, mas segundos de potencial que ainda pode ser explorado. Não podemos usar isso fisicamente hoje por causa dos problemas de confiabilidade, mas se nós superarmos isso, vamos ser capazes de dar enormes passos à frente”, garantiu.
 
Acontece que a McLaren já falou tanto em melhora que a grande é verdade e que, além de desempenho, falta também credibilidade. Já não é mais possível se saber o quão críveis são as declarações dos pilotos e da equipe. Não que estejam mentindo – o que também não seria surpresa no mundo da F1. Apenas que suas previsões não batem com o que se vê na pista depois. Com tantas incertezas, é preciso ser muito otimista para seguir acreditando.
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