Coluna Warm Up, por Flavio Gomes: Regi

Tenho certeza, Regi, que você trocaria todo esse luxo aí de Abu Dhabi por aquela Suzuka bagunçada de 1991, pelos jantares com nossos amigos brasileiros de olhinhos puxados e/ou amendoados que nos buscavam no aeroporto, nos levavam para todos os cantos, por aqueles quartinhos apertados dos hotéis de Yokkaichi ou Tsu, para terminarmos todos encharcados de saquê no karaokê no domingo à noite

Regi,
 
Um leitor aí me mandou um vídeo de 1991. Esse negócio de internet é bacana. Tem coisas que a gente já esqueceu, porque a gente esquece mesmo, e que nunca lembraria de procurar para rever. Tipo uma fita de vídeo de 1991. Acho que você pedia para a Carmen Silvia gravar as corridas, não? É possível. Em 1991, videocassete não era lá nenhuma novidade, mas era o que tínhamos. As pessoas gravavam filmes em vídeo. Casamentos, batizados. Corridas. Tem gente que gravou todas as corridas desde sempre.
 
Mas te conheço, você é bem desorganizado e se essa corrida de 1991 está gravada, tenho certeza que você não faz a menor ideia de onde se encontra. Aqui em São Paulo? Numa caixa em Paúba? Foi-se em alguma mudança? No escritório do Dinho, junto com os anuários? Duvi-de-o-dó.
 
Então que o cara me mandou o vídeo, são 15 minutos do pré-corrida do GP do Japão de 1991. Ali podia ser decidido o título. Eram tempos em que a F1 empolgava no Brasil. Piquet era tricampeão, Senna era bi. Buscava a terceira taça e era o grande favorito contra um Mansell errático naquela temporada de sintonia fina do carro de outro planeta. Então que a Globo resolveu entrar 15 minutos antes, com material gravado por você, pela Neide Duarte e pelo Marcos Uchoa, e ancorado pelo Léo Batista
 
Acabei de ver e não vou ver de novo para listar quem foi ouvido por vocês nesse pré-jogo, como a gente chama genericamente essas coisas em TV, mesmo sendo uma corrida, e não um jogo. Por isso posso estar esquecendo alguém. Mas certamente passaram pelos microfones globais (sem o cubinho) Prost, Schumacher, Gugelmin, Salinha, Wilsinho, Nakajima e Piquet. Um cara da Goodyear, também. Você, naqueles tempos, era comentarista e repórter. Fazia o “Sinal Verde”, que a gente, do outro lado da tela, ficava esperando ansiosamente nas noites de sábado para sonhar com aquele mundo de glamour, velocidade, riqueza e heroísmo. Viajei para todos os países da F1 com você pelo “Sinal Verde” antes de fazer isso de verdade, algum tempo depois. Com você também.
 
E aí lá foi você entrevistar o Piquet, que estava terminando seu contrato com a Benetton e corria o risco de não ter carro no ano seguinte. Se fosse para continuar, você informou, seria na Ferrari. “Coisa grande”, como definiu o Nelson.
 
Vocês dois são amigos, sempre foram. E são dois sacanas. Todo mundo sabe que o Piquet é sacana. Mas você, com essa carinha de santo, acha que engana quem? Quem não te conhece que te compre, amigão!
 
Pois lá vai você entrevistar o Piquet, o assunto é sério e importante, trata-se de um tricampeão às portas da aposentadoria, temas como esse, hoje, são cercados de solenidade e dramaticidade. Fecha a câmera nos olhos marejados do piloto, volta para o apresentador com ar contrito e consternado. Puta babaquice. Pilotos escondem os fatos, repórteres muitas vezes omitem o que sabem para não ficarem mal com os pilotos, o jornalismo, hoje, é uma babaquice sem tamanho. Como se essas coisas, um piloto mudar de equipe, mudassem o rumo do mundo.
 
Voltemos a 1991, aí você fala abertamente das opções e tal, e o Piquet diz que não pode falar nada, “porque pode dar pra trás”. E aí você o interrompe e fala: “Quando a gente tem um receio assim de dar pra trás, é porque a coisa é grande…”.
 
Vocês combinaram, certeza. Nem vem, vocês dois não valem um centavo. Vamos ver se passa pela edição, devem ter comentado, devem até ter apostado alguma coisa, devem ter rachado o bico quando desligaram a câmera, quando tem medo de dar pra trás é porque a coisa é grande, imagine dizer isso na Globo hoje! Primeiro que não iria para o ar. Segundo que você iria para a rua. Terceiro que piloto nenhum iria topar a brincadeira.
 
É, Regi, os tempos são outros e hoje vivemos de macarrãozinho, salvar pneus, carro de segurança, RBR, STR, dispositivo de recuperação de energia, olha ali o carrinho vermelho, fulano é o do carrinho cinza, tratam o telespectador como se fosse um débil mental, vocês têm de se controlar para falar qualquer coisa, imagine chegar no Massa e dizer para ele que se está com medo de dar pra trás é porque a coisa é grande. Coitado, o Felipe é de boa, iria dar risada, até, mas vocês nem mandariam as imagens para o Brasil, seria apenas uma piadinha interna e ninguém saberia que ela foi feita, como tantas.
 
Mas em 1991 você e o Piquet se divertiram à beça, acho que todos nos divertíamos mais. Quando será que ficou tudo chato?
 
Bem, amigo, boa cobertura aí em Abu Dhabi. Vi as fotos da janela do seu quarto, debruçado sobre essa pista esplendorosa, feérica, fantástica e… de mentira.
 
Tenho certeza, Regi, que você trocaria todo esse luxo aí por aquela Suzuka bagunçada de 1991, pelos jantares com nossos amigos brasileiros de olhinhos puxados e/ou amendoados que nos buscavam no aeroporto, nos levavam para todos os cantos, por aqueles quartinhos apertados dos hotéis de Yokkaichi ou Tsu, para terminarmos todos encharcados de saquê no karaokê no domingo à noite antes de pegar o trem para Nagoia, depois atravessar a estação do shinkansen carregando malas e mochilas como loucos por aqueles espaços intermináveis tentando decifrar os bilhetes, todos numa ressaca brava de dar dó, para chegar a Narita, depois a Los Angeles, depois ao Galeão, depois a Cumbica.
 
Nos divertíamos, Regi, porque aquilo era de verdade.

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