Coluna Warm Up, por Flavio Gomes: Felipe

Há dois caminhos, aparentemente: Lotus e Sauber. Isso se você estiver disposto a ficar por aí. Imagino que esteja. Eu estaria. Jamais me sentiria acabado com 32 anos de idade. Nem com 49, nem com 80. Qualquer uma das duas vai ser legal

Felipe,
 
Começando do começo. Soube da sua existência lá pelo fim dos anos 90, você com uns 16 ou 17 anos na F-Chevrolet, meu amigo e quase sócio Ricardo Tedeschi te dando uma força. Então foi para a Europa numa pindaíba danada, teve até aquela história de ganhar um prêmio em cerveja por uma vitória e ter de vender as latinhas para pagar o aluguel, essas coisas que quando a gente olha para trás ri e se orgulha delas.
 
Aí, em 2001, um teste na Sauber. Ricardo, telefonei, que legal! O menino é bom, é humilde, rápido, vamos ver o que dá, responde o Ricardo.
 
No ano seguinte, a apresentação como piloto da Sauber aqui em São Paulo, num hotel na Vila Olímpia, ou no Itaim, você magrinho e meio assustado com aquela gente toda, e desde o início eu sabendo que no fundo era tudo com a Ferrari, mas sem poder publicar, cravar, como a gente diz, porque você e o Ricardo eram dois túmulos, souberam guardar o segredo por anos a fio.
 
Foi em Melbourne que conhecemos melhor sua família, o Titônio, a Ana, seu irmão, sua irmã, tudo gente boa e simples, e foi um ano de altos e baixos, 2002, os primeiros pontos na Malásia, uma corrida que considerei espetacular em Ímola, mais pontos, muita luta, algumas cagadas, e o velho e rigoroso Peter Sauber te devolve para a Ferrari, e aí aprende, aprende e aprende com Schumacher, e mais dois anos de Sauber e você estava pronto.
 
Era bem improvável alguém com seu currículo nas categorias menores, bom, verdade, mas modesto e sem muito glamour, sem grana, sem pose, virar titular da Ferrari. Mas isso quem conseguiu foi você, treino a treino, teste a teste, corrida a corrida. O improvável virou realidade, e não tem como não se sentir grande quando algo assim finalmente acontece.
 
Vieram as poles e as vitórias, virou piloto de ponta, encarou a chegada do Räikkönen com serenidade e confiança, e fez aquela temporada inesquecível em 2008. Eu nunca vi alguém receber uma derrota como você recebeu em Interlagos. Nunca vi tanta dignidade num esportista. Deu orgulho, não por ser brasileiro, essas babaquices nacionalistas. Mas porque eu sabia de onde você tinha vindo, como tinha chegado lá, conhecia bem sua trajetória e seu caráter.
 
Caráter.
 
Coisa dura de encontrar por aí. Naqueles primeiros anos de Sauber e Ferrari, nunca se dirigiu a mim, e a nenhum jornalista, em tom de cobrança e mágoa, ou reverência e gratidão, por eventuais críticas ou pela bajulação tão comum nesse meio. Nada. Um comportamento impecável, simpático, profissional, correto. Uma única vez, brincando, me perguntou quando eu ia te dar uma nota melhor no ‘Lance!’, um dos jornais para os quais eu escrevia na época. Parecia o aluno que pede para o professor dar uma canja. Quem sou eu…
 
Então veio o acidente da Hungria em 2009, que foi pior do que as pessoas imaginam. Mas que, tenho certeza, e isso sempre disse, escrevi e achei, não teve nada a ver com o declínio dos resultados nos anos seguintes. Ele ocorreu, é evidente, o declínio. Resultados piores, erros não tão comuns, insegurança, corridas discretas, outras ruins, mesmo, dúvidas sobre o futuro. Para mim, a explicação era uma só: Alonso, um piloto duro, fortíssimo, melhor que você, e nem sempre é fácil lidar com isso num ambiente em que a competição é que manda. E você lidou com tudo com a tranqulidade e firmeza, até com o “faster than you”.
 
OK, agora acabou esse capítulo vermelho-Ferrari. A troca por Raikkonen não chegou a ser uma grande surpresa e, ao que parece, não te abalou demais. Era esperado, você ficou 12 anos na mesma casa, uma hora esses casamentos terminam, assim é a vida. Você avisou pela internet, não escolheu ninguém para dar a notícia com exclusividade, agradeceu a todo mundo, comportou-se com a mesma dignidade de sempre.
 
Há dois caminhos, aparentemente: Lotus e Sauber. Isso se você estiver disposto a ficar por aí. Imagino que esteja. Eu estaria. Jamais me sentiria acabado com 32 anos de idade. Nem com 49, nem com 80. Qualquer uma das duas vai ser legal. A Sauber você conhece, pode ajudar na reestruturação do time, os objetivos serão outros, não vai lutar para ser campeão, para ganhar corridas, mas para mostrar quem é e o que pode fazer num ambiente menos carregado, menos tenso, mais livre, sem pressão e pentelhação. E para se divertir, se sentir bem. Na Lotus, sabe-se lá… Ano que vem vai ser diferente, muita coisa nova, se a equipe conseguir manter o pique acho você um ótimo nome, eu apostaria, apesar de o alemãozinho lá, Hülkenberg, ser muito bom e promissor, também.
 
Importante é estar feliz e em paz. Se não for a F1, que seja em outra categoria, se assim achar que deve. Tem vida fora da F1, é óbvio, e ela pode ser melhor do que se imagina. Correr é o que você gosta de fazer? Então corra. Corra por você, pelos que gostam de você. Onde for. Isso não tem a menor importância.
 
Boa sorte, pequeno gnomo. Sim, você é mais alto que eu, consigo ser mais nanico até que um nanico como você. Mas como não é muito, dois ou três centímetros, posso te chamar de pequeno gnomo. Que não é ofensa nenhuma, o mundo ainda será dominado pelos baixinhos. Ocupamos menos espaço, comemos menos, consumimos menos, somos muito melhores para o planeta, temos a grandeza concentrada. Você certamente tem.

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