Coluna Parabólica, por Rodrigo Mattar: Onze anos – uma retrospectiva profissional

Se eu tinha o conhecimento necessário para fazer a transmissão, era só ter calma que tudo fluiria. Claro: achei a transmissão uma merda. Detestei meu desempenho e pensei comigo mesmo: ‘Nunca mais vão me chamar pra nada’

Muita gente pergunta a nós, jornalistas, como começamos na profissão, não é mesmo? No meu caso, prefiro dizer que já do útero materno vim com essa vocação. Estava no DNA e no sangue. Acredito que a gente não escolhe. A gente nasce já sabendo o que vai ser no futuro.

Pelo menos foi assim que me senti. Ávido por informações, números, nomes e dados, usei um caderno Recreio, daqueles típicos dos anos 70, para anotar as primeiras escalações das seleções de futebol que disputariam a Copa do Mundo da Argentina. Nada escapava. Minha fonte foi o álbum de figurinhas, o primeiro de que me recordo ter colecionado na vida. Depois vieram como companheiras as revistas ‘Quatro Rodas’ e ‘Auto Esporte’. A F1 me fascinava com seus carros velozes e coloridos. Sonhava em um dia trabalhar no automobilismo, mas com menos de 10 anos, só me permitia mesmo sonhar.

O tempo passou e meus companheiros se tornaram as miniaturas que meu pai despejava aos borbotões e com as quais fazia corridas intermináveis e imaginárias, usando a cama como autódromo. Os grandes campeões “desfilavam” nas “pistas” – afinal, era uma só, mas para mim tornavam-se todas, de Indianápolis a Monza. Tudo ‘documentado’, escrito em cadernos e mais cadernos. Por conta disso, os colegas e vizinhos, em tempos pré-bullying, me alcunhavam de ‘maluco’.

Odiava o apelido, minha mãe, que não se conformava com as brincadeiras típicas da adolescência, também. Mas passei a não dar a mínima importância e o bullying cessou. As prioridades tornaram-se outras, os velhos cadernos da infância ganharam um ar de seriedade e ao invés de descartá-los, passei a guardar um por um, pois tinha certeza que me seriam úteis no futuro. Afinal de contas, eu tinha decidido prestar o vestibular para Comunicação Social e, sendo de uma família de classe média baixa, computador e videocassete eram luxos com os quais não podia sonhar. Não podia gravar corrida nenhuma. Tinha que assisti-las, todas. E anotar o resultado em cadernos enormes.

Rodrigo Mattar hoje está na Fox Sports e escreve um blog e uma coluna semanal no GRANDE PRÊMIO (Foto: Facebook)

Entrei na faculdade. E decidido do que queria na vida. Antes do fim do curso consegui o primeiro estágio no Jornal do Brasil, em 1996. Grande experiência, embora não tenha feito muita coisa na área automobilística, o meu grande sonho. Quem me ofereceu as primeiras oportunidades a mim, justiça seja feita, foram Eduardo Regal, com quem trabalhei numa assessoria de imprensa e Jorge Velloso, então editor do ‘Club Motor’ – um jornal que teve vida razoavelmente longa nos autódromos e passou ao formato de revista – foi quando comecei a colaborar vez ou outra com textos. Até a colaboração se extinguir em 2000.

Nisso, eu já tinha passado por uma guinada de 180º na vida profissional. Foi quando entrei na TV Globo, através do projeto Estagiar. Fiquei só seis meses no período, ninguém me chamou para cobrir férias e fui curtir o ócio, com uns freelancers aqui e acolá. Perigoso para quem, como eu, já tinha 28 anos. Isso em 1999, quando a época dos cadernos tinha ficado para trás. Afinal, computador e videocassete já não eram mais, finalmente, artigos de luxo em casa.

Então surgiu um convite de uma pessoa decisiva nos rumos que a minha vida iria tomar dali para diante: Emanuel Mello Mattos de Castro.

Esse jornalista, para quem não sabe ou não conhece, é irmão do Lucio de Castro, da ESPN. Filho de Marcos de Castro e sobrinho de Moacyr Werneck de Castro. Um dos caras mais inteligentes que conheci na vida. Dono de um vasto conhecimento esportivo que, confesso, invejava. Por algum motivo, ele gostava de mim e foi ele, Emanuel, quem me chamou de volta. Contra a vontade de alguns, eu soube depois. Mas ele comprou minha briga – aliás, compraria várias, por muitos anos – e voltei eu para a Globo, em julho de 1999. Ficaria lá por 13 anos…

Aproveitei a oportunidade para tentar ajudar no que pudesse com o automobilismo, que na época se resumia à F1. Também havia transmissões do Mundial de Motovelocidade, por causa da presença do Alex Barros. Em 2000, entrou a Stock Car, como todo mundo sabe. Até F3 transmitiu-se, na estreia do Nelsinho Piquet. Eu era editor de texto, mas para o que eu queria fazer, era pouco.

É claro que eu sonhava alto e queria mais, sem nunca puxar o tapete de ninguém, feito muitos que conheço no jornalismo esportivo que não tem o mínimo de escrúpulos. Tinha Reginaldo Leme como um dos meus ídolos na profissão e, no fundo, queria fazer o mesmo que ele. Sabia que seria difícil. Mas não impossível.

O destino rolou os dados a meu favor. No fim de 2002, quando minha situação estava totalmente estagnada na empresa, o Emanuel me comunicava que eu seria um dos primeiros a fazer a transição Globo-SporTV, uma vez que a emissora de TV aberta estava absorvendo, a partir do ano seguinte, o canal esportivo a cabo. Nas palavras dele, eu seria um dos editores do Grid Motor, programa automobilístico que era exibido naquela emissora.

Para mim era ótimo. Novos ares e novos colegas. Mas o melhor ainda estava por vir.

Era maio daquele ano de 2003 e parece que foi ontem. Num dia normal de trabalho, sou comunicado que queriam falar comigo na sala da direção do canal. A gente sempre desconfia… ser chamado por um diretor ou por vários nem sempre é sinal de boa coisa. Mas no caso era: o SporTV faria as 500 Milhas de Indianápolis e no mesmo dia haveria uma corrida de Stock Car, no Autódromo de Jacarepaguá. O comentarista, que era o Lito Cavalcanti, não poderia se desdobrar e fazer os dois eventos, que eram quase simultâneos.

Aí veio a pergunta: “Quer fazer um teste de vídeo?”

Ou seja: o Emanuel me jogava às feras. Teria que comentar uma corrida e aparecer no vídeo!Fiquei muito nervoso no teste, mas mesmo assim me escalaram para a transmissão da Stock Car, dia 26 de maio de 2003. Confesso que na véspera não dormi e ao entrar na cabine de transmissão, eu tremia todo, da cabeça aos pés. Nunca esqueci da frase do João Guilherme, com quem hoje tenho o privilégio de trabalhar no Fox Sports: “Calma. O microfone é seu amigo.”

Ele estava certo: se eu tinha o conhecimento necessário para fazer a transmissão, era só ter calma que tudo fluiria. Claro: achei a transmissão uma merda. Detestei meu desempenho e pensei comigo mesmo: ‘Nunca mais vão me chamar pra nada’. Mas o Emanuel nada disse a não ser: “Da próxima vez só faça melhor a barba”. Se isso não era um bom sinal, não sei também o que seria.

O destino voltou a rolar os dados novamente quando o Gualter Salles, que fazia os compactos da Nascar, foi chamado pela DaleCoyne Racing para voltar a correr nos EUA, na ChampCar já decadente. Caí nas transmissões de paraquedas, mas aprendi rápido e ganhei, pelo menos por muito tempo, um novo amigo e companheiro: Sergio Mauricio, que entre idas e vindas, foi parceiro de transmissões por uma década. Foi um dos caras com quem melhor trabalhei e com quem mais tive entrosamento, sem demérito nenhum a nenhum dos outros colegas, alguns deles ótimos narrando corridas, é verdade.

Foi assim que começou meu período como comentarista de transmissões automobilísticas, quebrando de vez em quando galhos enormes e pesados, narrando algumas corridas de categorias secundárias. Tenho certeza que tive anos ótimos, de muito trabalho e recompensa profissional. Até fui para a bancada do programa matinal Redação SporTV para falar de F1, todas as segundas pós-corridas e o auge foi em 2008, quando fui a Interlagos e vi a histórica decisão em que Felipe Massa foi campeão por alguns segundos e o circuito desabou depois num silêncio sepulcral com a conquista de Lewis Hamilton.

Daí para diante, as coisas não foram mais as mesmas: o Emanuel saiu da direção do canal e a nova diretoria (sem citar nomes, fatos e pessoas) nunca foi com a minha cara. Sei disso porque enfrentei um inverno glacial na televisão, a famosa “geladeira”, por um bom tempo. Mas aos poucos voltei às corridas – embora tenha sido tirado da bancada do Redação SporTV sem a menor satisfação, um fato que me magoou muito.

Sei que pelo meu temperamento às vezes complicado, de querer fazer as coisas certas e não ter condições, nos tempos em que fiquei como editor do Linha de Chegada, já tinha gente me olhando atravessado no canal e, mesmo voltando a atuar como comentarista, sentia o ambiente pesado e uma angústia imensa porque meu ciclo parecia perto do fim. Saía de férias todos os anos com um medo enorme de voltar do descanso e, no dia seguinte, ser demitido. É uma sensação péssima. Nunca queiram passar por isso.

Reconheço que cometi alguns erros na minha carreira de jornalista e acho que fui injustamente crucificado por dar uma informação tida, na época, como “sigilosa”. E que custou em 16 de novembro de 2012, a minha demissão. Todo mundo sabia que o GP dos EUA de F1 não seria transmitido pela Globo em detrimento do Campeonato Brasileiro de Futebol. Era óbvio, ao menos no meu entendimento que, quando houvesse a confirmação de que a corrida seria exibida no SporTV, o certo seria dar a informação. Julgaram que não era o procedimento correto e me puseram no olho da rua. Um funcionário com 13 anos de carteira assinada, pai de família. Sem direito a nada a não ser a indenização nos termos da lei – porque escapei de ser mandado embora por justa causa, como soube depois que muitos lá dentro gostariam que tivesse sido.

Foi um golpe duro na minha carreira e na minha vida também. Pirei. Enlouqueci várias vezes e me apeguei ao blog A Mil Por Hora (agora no GRANDE PRÊMIO, a quem devo muito também, porque o Flavio Gomes foi o primeiro entre os colegas jornalistas a me estender a mão em solidariedade) para não endoidar de vez, enquanto uma nova chance não surgisse.

Felizmente de novo o destino rolou os dados a meu favor. E por isso estou desde maio do ano passado no Fox Sports, uma nova casa que me deu a oportunidade de voltar a fazer o que mais gosto: comentar corridas – da Nascar à F4, passando por MXGP, WRC, WTCC e Endurance. Estou feliz, muito mais do que antes, porque tenho certeza que faço um bom trabalho e ele é reconhecido.

Isso tudo, meus caros leitores da Coluna Parabólica, foi para contar que, entre idas e vindas, altos e baixos, alegrias e tristezas, decepções imensas e muita dedicação, mas muita mesmo, o escriba aqui está completando onze anos como comentarista de automobilismo.

Onze anos não são onze dias. É um bom período de uma vida regada a muito sacrifício, pois às vezes não temos vida social e temos que nos entregar a plantões intermináveis e longas jornadas de trabalho, muito empenho, diversos sapos engolidos (alguns intragáveis), muitas lágrimas roladas e momentos de imensa satisfação profissional.

Por isso, para encerrar, quero deixar meu imenso agradecimento a algumas pessoas fundamentais nisso tudo, especialmente aos já citados aqui, mas também aos companheiros Eduardo “Borrachinha” Abbas, Gilberto Conde (in memoriam) e Ricardo Porto, com quem aprendi demais no jornalismo esportivo e televisivo. Mas o carinho especial vai pro Emanuel. Aliás, nem sei se ele vai ler tudo isso. Nem sei se ele vai ter conhecimento dessa coluna e dessas linhas. Só queria que ele recebesse o meu muito obrigado por ter aberto as portas pelas quais tenho passado nesses últimos 11 anos da minha vida.

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